O mercado faz o teste de São Tomé: pretende ver para
acreditar na promessa de economias de R$ 70 bilhões, em 2025 e 2026
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou um mês mais ou
menos debatendo o pacto fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, na quarta-feira. Durante esse período, as propostas da equipe econômica
foram "espancadas" pelos demais ministros, para usar uma velha
expressão da ex-presidente Dilma Rousseff em relação ao seu processo de decisão
sobre medidas desta natureza. Foi o que já havia ocorrido com a proposta de
"déficit zero" apresentada pela equipe econômica no ano passado.
Entretanto, quem achar que o governo perdeu um mês na queda
de braços da Esplanada dos Ministérios, estimulada por Lula, diga-se de
passagem, estará enganado. A perda de tempo é muito maior. Pacotes dessa
natureza, segundo uma velha raposa política muito experiente em assuntos
administrativos, devem ser apresentados no primeiro ano de governo. Por uma
razão simples: o arrocho fiscal provoca desgastes na opinião pública, que
somente são revertidos quando seus efeitos positivos chegam ao dia a dia da
população. Quanto mais tempo o governante tiver para que isso ocorra, melhor.
Lula não terá três anos para que isso ocorra; terá apenas um ano e meio, talvez
nem isso, se quiser se reeleger.
A eleição de Donald Trump nos Estados
Unidos mostrou que não basta ter indicadores econômicos positivos; é preciso
que essa percepção saia das planilhas dos economistas e chegue às contas
domésticas. O presidente Joe Biden controlou a inflação americana, mas isso não
significou redução de preços. São coisas diferentes. A percepção do custo de
vida para os trabalhadores dos Estados Unidos derrotou os democratas com
inflação em queda. Lula pode passar por uma situação muito parecida.
Para acalmar o mercado, de um lado, e tornar as medidas mais
palatáveis, de outro, Lula se manifestou pela primeira vez sobre as propostas
do pacote nas redes sociais nesta quinta-feira: "Ontem, apresentamos uma
política de contenção de gastos, porque temos que cumprir o arcabouço fiscal, e
uma proposta de revisão de imposto de renda que dará isenção para quem ganha
até 5 mil reais", escreveu no X, o antigo Twitter. O governo tenta tirar
com uma mão e devolver com a outra, numa estratégia de redistribuição da renda
que pretende proteger os trabalhadores de baixa renda e taxar os mais ricos, no
Imposto de Renda.
Há uma grande contradição entre os indicadores positivos da
economia e o comportamento do mercado, a partir da alta do dólar, que, nesta
quinta-feira, fechou a R$ 5,98. Os principais indicadores positivos são:
avanço de 7% em sua renda real disponível; população ocupada de até 101,5
milhões em dezembro; e PIB acima de 3% ao ano, contrariando todas as previsões
do início do ano. A agência de classificação de risco Moody's colocou a nota
soberana do país a um passo do clube dos bons pagadores.
Gasto e investimento
Entretanto, as reações do mercado ao ambiente econômico são
negativas. Os investidores têm uma percepção insegura da economia, em função da
recusa até agora de reduzir a zero o déficit público, o que projeta, para os
analistas, um horizonte de aumento de gastos nos próximos anos, principalmente
em 2026, quando haverá eleições presidenciais. O calendário político gera
incertezas quanto ao compromisso do presidente Lula com o ajuste fiscal. O
mercado projeta um déficit de 1,5% do PIB, ou seja, acredita que o governo
gastará mais do que arrecada e, por isso, a inflação ficará acima da meta. Essa
é a origem da desconfiança do mercado sobre a eficácia do pacote.
Pela mesma razão, o Banco Central (BC) eleva a taxa de
juros, que pode subir para 13%, o que aumenta os passivos financeiros do
governo e reduz o ímpeto de investimento na economia. Num final de ano em que
as empresas fazem planejamento para o ano seguinte, a primeira reação do
mercado foi puxar o freio de mão e aguardar até o carnaval do próximo ano para
avaliar os efeitos positivos do pacote. Os títulos públicos (NTN-Bs) já são
negociados em torno de 5,70% para todos os prazos. As projeções para o IPCA no
fim de 2024 saltaram de 4,39% para 4,50%. E as estimativas para a inflação em
2025 também subiram, de 3,96% para 3,99%.
O mercado faz o teste de São Tomé: pretende ver para
acreditar na promessa de economias de R$ 70 bilhões, em 2025 e 2026. Essa é a
chave para que as projeções de redução de gastos da ordem de R$ 327 bilhões,
equivalentes a 3% do PIB atual, de 2025 a 2030, possam realmente ser
alcançadas, como pretende o ministro Haddad.
O outro lado da moeda, porém, é a reação negativa da
Esplanada, onde se localiza a resistência orgânica ao corte de gastos do
governo. Nenhum ministro quer cortar na própria carne. Um corte linear nos
gastos de governo de 1,5% que fosse, os obrigaria a fazer escolhas e redefinir
prioridades. Isso não somente aumentaria a produtividade, como impactaria a
eficiência dos métodos de controle, eliminaria programas e projetos que não
chegam à população que mais precisa, baratearia o funcionamento da máquina administrativa,
sobretudo na atividade-fim. Talvez o grande erro de conceito do pacote fiscal
seja a tese de Lula de que todo gasto na área social é investimento. O que fica
pelo caminho, e não chega na ponta, muitas vezes, é puro desperdício.
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