Interesses de Musk se confundirão com os dos EUA sob Trump
No final da semana passada, o senador republicano Mike Lee
publicou na plataforma X um post curto. Argumentou que o Federal Reserve, o
banco central americano, deveria ser controlado pelo presidente da República.
Imediatamente Elon Musk retuitou a mensagem de Lee. Entrou na campanha pelo fim
do banco central independente. Enquanto isso, as criptomoedas todas disparavam
como não se via há anos. Bitcoins voltaram a valer muito.
Para quem é atento, não há surpresa. Donald Trump é
iliberal. Não quer banco central independente, deseja tarifas comerciais altas,
despreza organismos multilaterais na gerência do globo. Tudo que o pensamento
liberal criou nos últimos cem anos, Trump abomina. Por isso, tampouco deveria
ser surpresa ver patrimonialismo, igualzinho ao nosso, brasileiríssimo,
surgindo por lá. Neste exato momento, Musk e uma dúzia de bilionários do Vale
do Silício já começaram a aumentar suas fortunas inflando o valor das
criptomoedas.
Em julho, um dos principais investidores do
Vale, Mark Cuban, desenhou a estratégia. Aumentam as barreiras alfandegárias
sobre os importados chineses, aumenta a inflação. Ao mesmo tempo, haverá
insegurança em todo o mundo em relação à maneira como Trump cuida da economia
americana. Perante inflação, resguardar-se com dólares poderá não ser a melhor
escolha. No mínimo, será melhor diversificar. Para Cuban, bitcoins e outras
criptomoedas terminariam por aumentar em valor. Já acontece.
Cuban foi um dos financiadores da campanha de Kamala
Harris. Seus rivais no Vale, os sócios Marc Andreessen e Ben Horowitz,
apoiaram Trump desde o início e têm pesados investimentos no mundo cripto. O
presidente eleito, ele próprio, lançou mais de uma criptomoeda e garante que
desregulará seu comércio. Facilitará seu fluxo, claro, mas também aumentará o
tombo de quem investir nelas e perder.
A ideia de o Fed perder independência e estar sujeito aos
humores da Casa Branca dificilmente prosperará. Ainda há liberais o suficiente
no Congresso que compreendem como a ideia é ruim. Mas só especular sobre isso,
com Musk fazendo campanha aberta, já deixa o dólar mais inseguro — e as
bitcoins mais fortes. Neste momento, muita gente já ganha dinheiro. Opera o
mercado como se não houvesse regras e dá o tom de como serão os próximos quatro
anos.
Musk só começou. Comprou uma rede social por US$ 44 bilhões,
transformou-a numa gigantesca máquina de propaganda trumpista. Quando veio a
campanha, mergulhou de cabeça. Comprou acesso direto ao Salão Oval por quatro
anos. Quando Trump deu seu primeiro telefonema a Volodymyr
Zelensky, o presidente ucraniano, Musk participou. Por quê? Bem, Musk tem
contato consistente com o presidente russo, Vladimir
Putin, desde 2022. Os russos têm tecnologia espacial avançada, Musk é dono
de uma empresa aeroespacial, a SpaceX. Sua
companhia é a principal fornecedora de tecnologia da Nasa. Isso quer dizer que
ele tem acesso a informação considerada altamente secreta pelos Estados Unidos.
Claro: ele faz os foguetes do país. Esse relacionamento próximo deixava o
governo Biden tenso. Agora, tornou-se bem-vindo.
Onde se separam os interesses dos Estados Unidos e os
interesses comerciais de Musk? Ao que parece, não há mais diferença.
Patrimonialismo puro e simples, pois é. Como numa república de bananas.
Seus interesses em regulamentação não se restringem a naves
espaciais ou criptomoedas. A Tesla, seu negócio mais famoso, depende de
subsídios para vender automóveis e, agora, começa a enfrentar globalmente a
concorrência de chinesas como BYD. Elas fabricam carros elétricos mais baratos.
Musk precisa de peças fabricadas na China e,
simultaneamente, precisa que o acesso ao mercado global dificultado aos
chineses. É bem conveniente ser amigo do sujeito na Casa Branca.
Além disso, ele quer acelerar os carros autônomos. A
regulação deveria ser pesada, pois não é claro de quem é a responsabilidade
quando houver atropelamento. As regras possivelmente serão escritas nos
próximos quatro anos. Que conveniente.
E, claro, existe a X/AI. Sua empresa concorrente de
OpenAI, Google e
outras. Musk se preocupa com o futuro distante, quando talvez inteligências
artificiais destruam a humanidade. Mas não tem nenhuma preocupação com
discriminação nos algoritmos ou com direitos autorais dos donos do conteúdo
usado para treinamento, os problemas comezinhos de hoje.
O governo Trump nem começou.
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