Na primeira versão, "oficial", Bolsonaro
estaria abatido com a derrota eleitoral e pretendia tirar um "período
sabático" nos Estados Unidos, não comparecendo à posse de Lula
Duas semanas antes de terminar o seu mandato, o
ex-presidente Jair Bolsonaro compareceu a um jantar na casa do ex-ministro das
Comunicações Fábio Faria, para o qual também foram convidados o então ministro
da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente do PP, e o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli. O encontro antecedeu a exoneração de Faria
da pasta, a pedido, o que viria ocorrer em 21 de dezembro, uma quarta-feira.
O vazamento do encontro ocorreu duas semanas após a
conversa. Na primeira versão, "oficial", Bolsonaro estaria abatido
com a derrota eleitoral e pretendia tirar um "período sabático" nos
Estados Unidos, não comparecendo à posse de Lula. Nogueira, Faria e Toffoli
tentaram convencer Bolsonaro a reconhecer a vitória do petista, para esvaziar
os acampamentos bolsonaristas à porta dos quartéis, que defendiam uma
intervenção militar e não reconheciam o resultado das urnas.
Bolsonaro teria se eximido de
responsabilidade — "não mobilizou nada, então não vai desmobilizar
nada" — e prometeu aos presentes que não faria "nenhuma
aventura". Mais tarde, novos vazamentos deram mais detalhes: o ex-chefe do
Planalto teve duas crises de choro, disse que não queria ser preso, que temia
uma perseguição aos seus filhos e que não apoiava a realização de "atos
terroristas". Na ocasião, teria sido convencido a não assinar a tal
"minuta do golpe", o decreto de intervenção no Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) encontrado em poder do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
O vazamento do encontro causou grande constrangimento para
Toffoli, criticado por participar do jantar, num momento de muita tensão
política entre Bolsonaro e o ministro Alexandre de Moraes. Quando presidente do
Supremo, Toffoli foi o responsável por autorizar a abertura do inquérito das
fake news, cujo relator é Moraes e que agora resultou no indiciamento do
ex-presidente e seus aliados. Nos bastidores da Corte, porém, sabia-se mais.
Havia uma batalha entre a ala política do governo, que
reconhecia o resultado da eleição, e o grupo de generais e policiais que
cercava Bolsonaro, que pretendia mesmo impedir a posse de Lula, custasse o que
custasse, sabe-se agora, inclusive, o assassinato do presidente eleito, seu
vice Geraldo Alckmin e do próprio ministro Moraes, cujo sequestro ou
assassinato teria sido preparado e abortado de última hora, em 15 de dezembro.
Na ala política, os mais influentes eram Nogueira, Faria e o ministro do Tribunal
de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira, advogado e policial militar, que fora
secretário-geral da Presidência. O grupo militar era liderado por Braga Netto,
o vice de Bolsonaro, mas não contou com apoio do Alto Comando do Exército.
Sustentação política
Destoava do grupo o almirante de esquadra Flávio Rocha,
ministro da secretaria de Assuntos Estratégicos, apesar de o então comandante
da Marinha, Almir Garnier Santos, ter oferecido a Bolsonaro o emprego de seus
fuzileiros navais para dar o golpe, "bastava uma ordem". O almirante
Moura Neto, ex-comandante da Marinha, ao lado do general Enzo Peri,
ex-comandante do Exército, atuaram nos bastidores da transição para que as
respectivas forças não aderissem ao golpe. Apesar de supostamente "bolsonarista",
o então comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida
Baptista Junior, não aderiu aos golpistas.
Também faltou articulação internacional em apoio ao golpe. O
presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, reconheceu de pronto a vitória de
Lula. Depois, um diplomata lotado no Supremo foi despachado aos Estados Unidos
para relatar ao Departamento de Estado, informalmente, o que estava se passando
na transição de governo. Os militares norte-americanos mantêm estreita relação
de cooperação com seus colegas brasileiros, principalmente do Exército, desde a
II Guerra Mundial.
Havia base social para que o golpe fosse bem-sucedido,
devido à estreita margem de vitória de Lula e à intensa mobilização dos
militantes bolsonaristas. Também havia apoio de corporações que se identificam
com Bolsonaro, como a maioria dos integrantes do Exército. Mesmo assim,
prevaleceram a hierarquia e a disciplina, apesar dos esforços dos generais
golpistas para desmoralizar o Alto Comando do Exército. O fator decisivo para
frustrar o golpe, porém, foi a falta de apoio político e institucional, no Judiciário,
inclusive, na Justiça Militar e no Congresso Nacional.
A vitória de Lula já havia sido reconhecida por todos os
partidos, com exceção do PL de Bolsonaro, cujo presidente, Valdemar Costa Neto,
entrou com uma ação que questionava o resultado das urnas. Os presidentes da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL); e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), apoiavam a ala
política do governo que trabalhava para neutralizar os golpistas. Nas
conversas, todos se remetiam ao que ocorreu com os políticos que apoiaram o
golpe militar de 1964 e acabaram tendo os direitos políticos cassados pelos
militares, como Carlos Lacerda (UDN) e Juscelino Kubitschek (PSD).
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