Em 2026, a chance de vitória eleitoral estará diretamente
dependente da capacidade do governo de resgatar a ideia originalmente defendida
no discurso de vitória em 30 de outubro de 2022
Há dois anos, nesta data, Lula estava às vésperas de tomar
posse para seu terceiro mandato, depois de uma vitória eleitoral absolutamente
apertada. É sempre bom recorrer aos dados trazidos por Felipe Nunes e Thomas
Trauman em seu livro Biografia do abismo. Ali fica comprovado que a vitória
eleitoral de Lula só foi possível pelo crescimento de sua votação na região
Sudeste, já que nas demais regiões do país o percentual obtido historicamente
por ele e pelo PT se manteve no mesmo patamar. Adicionalmente, ao fazerem a
segmentação da origem dos votos de Lula, indicam que 8% foram de petistas, 10%
de setores progressistas, 30% das classes D/E e 3% de liberais.
Afirmam os autores: "Embora
numericamente menor, o último grupo que constituiu a base lulista em 2022 teve
importância simbólica. Os "liberais sociais", representados pelo
apoio de Simone Tebet e dos economistas liberais no segundo turno, deram à
candidatura de Lula a imagem de uma frente ampla a favor da democracia. Embora
esse grupo corresponda a apenas 3% do eleitorado, sua influência na mídia, no
empresariado e no Judiciário é notável. Depois do fracasso na montagem de um
candidato viável na terceira via, os liberais sociais foram decisivos para a
vitória de Lula, justamente por serem críticos públicos dos governos anteriores
do PT. É preciso lembrar que, segundo as pesquisas da Quaest em 2018, parte dos
liberais sociais votou em Bolsonaro em 2018 e não se trata de eleitor fiel de
nenhum dos lados".
Já eleito, Lula inicia a leitura de seu primeiro discurso da
seguinte forma: "Chegamos ao final de uma das mais importantes eleições da
nossa história. Uma eleição que colocou frente a frente dois projetos opostos
de país, e que hoje tem um único e grande vencedor: o povo brasileiro. Esta não
é uma vitória minha, nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram nessa
campanha. É a vitória de um imenso movimento democrático que se formou, acima
dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a
democracia saísse vencedora. Neste 30 de outubro histórico, a maioria do povo
brasileiro deixou bem claro que deseja mais, e não menos, democracia. Deseja
mais, e não menos, inclusão social e oportunidades para todos. Deseja mais, e
não menos, respeito e entendimento entre os brasileiros. Em suma, deseja mais,
e não menos liberdade, igualdade e fraternidade em nosso país".
Passados dois anos, pode-se afirmar que a expectativa
positiva trazida por essas palavras foi sendo esvanecida por declarações de
improviso e por diversas tentativas de reproduzir um modelo de governança
exercido em seus dois primeiros mandatos, como ficou patente na montagem de seu
ministério. Ainda que seja legítimo e indiscutível reconhecer seu direito, como
vitorioso, de querer traduzir em ações governamentais suas propostas de
candidato, o limite condicionante de sua vitória, a tal frente ampla, acabou
sendo menosprezado ou mesmo desprezado em alguns casos para dar lugar ao
conhecido apetite hegemonista de setores petistas.
Só que de 2010 pra cá, o país mudou muito. Vimos um aumento
significativo do poder do Congresso Nacional, com uma expressiva representação
conservadora combinada com uma maioria adepta do pragmatismo político
exacerbado, em que o interesse de partidos políticos por indicação de um lugar
no ministério foi substituído pelo jogo das emendas parlamentares.
Dessa forma, seus dois primeiros anos neste terceiro mandato
foram marcados por uma relação absolutamente conturbada com o parlamento, onde
até as vitórias importantes, como a aprovação da reforma tributária e do ajuste
fiscal, trouxeram consigo concessões muito além das inicialmente desejadas pelo
governo.
Por mais que os indicadores macroeconômicos, como o
crescimento do PIB e redução do desemprego, estejam sendo positivos, o aumento
da inflação com impacto direto nos preços das mercadorias e no poder de compra
da população faz com que uma parcela significativa da população venha
apresentando seu descontentamento, como apontam diversas pesquisas recentes.
Assim, Lula tem um grande desafio. Em 2026, seja ele ou
outro nome, a chance de vitória eleitoral estará diretamente dependente da
capacidade de seu governo, a partir da próxima reforma ministerial, de resgatar
a ideia originalmente defendida em seu discurso de vitória em 30 de outubro de
2022, incorporando ao governo ações e propostas de segmentos representativos da
que ficou conhecida como "frente ampla". Ainda dá tempo, mas não sei
se ele terá interesse em dar essa freada de arrumação. A conferir.
*Consultor em estratégia
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