A primeira reação de Lira e dos líderes à decisão de
Flávio Dino de sustar o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas foi promover uma
rebelião na Câmara contra o Supremo
“Corro atrás do tempo/ Vim de não sei onde/ Devagar é que
não se vai longe/ Eu semeio o vento/ Na minha cidade/ Vou pra rua e bebo a
tempestade”, diz o final de “Bom Conselho” de Chico Buarque, lançada em 1970,
que se destaca pela ironia e a crítica ao senso comum, puro voluntarismo.
Quando foi lançada, o contexto era o regime militar e a rebordosa do Ato
Institucional nº 5, que alimentou a frustração dos políticos tradicionais e a
radicalização dos jovens que aderiram à luta armada.
O contexto é outro, mas tem gente na política que semeia
vento e pode colher tempestade. É o caso do presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), com a história das “emendas de comissão” que foram transformadas em
“emendas de líderes” numa canetada, às vésperas do recesso. A manobra pretendia
exumar o “orçamento secreto”, mas foi uma grande trapalhada jurídica, que
somente serviu para lançar mais luz sobre o desvio de verbas do Orçamento da
União por meio de licitações fraudulentas, superfaturamento de obras e serviços
e uma derrama de dinheiro de caixa dois nas eleições, a ponto de ter flagrante
de vereador jogando dinheiro pela janela.
Ontem, Arthur Lira tentou mobilizar uma
reunião presencial dos 17 líderes que o apoiaram na mágica feita para
viabilizar a liberação de R$ 4,2 milhões em emendas, às vésperas do recesso,
sem atender as exigências constitucionais de transparência e rastreabilidade. O
objetivo era pressionar o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal
(STF), que sustou a liberação das emendas e ainda determinou que a Polícia
Federal instaurasse um inquérito sobre a portaria do governo que havia liberado
os recursos. A reunião foi um fracasso, a maioria dos líderes não veio a
Brasília. Caiu a ficha de que foram protagonistas de uma trapaça institucional.
A soberba dos envolvidos na manobra pôs tudo a perder. O
deputado Rubens Pereira Junior (PT-MA) convenceu Arthur Lira de que Flávio
Dino, seu aliado na política maranhense, aceitaria o engodo; nas negociações,
deu a entender o tempo todo que estaria em sintonia com o ministro do Supremo,
o que não era verdade. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE),
foi outro artífice da confusão: convenceu o ministro-chefe da Casa Civil, Rui
Costa, que uma simples portaria atenderia a solicitação dos líderes e o
dinheiro seria liberado.
Seguiu a receita do ex-deputado Arnaldo Faria de Sá
(Progressistas), falecido em 2022, que se notabilizou na defesa dos
aposentados. Sua especialidade era fazer lobby para resolver suas demandas por
meio de portarias. Dizia que era muito mais eficiente do que lutar pela
aprovação de projetos de lei.
Deu errado
Rui Costa foi outro que deu um drible a mais. Ao assumiu as
funções que caberiam ao vice-presidente Geraldo Alckmin, interinamente, durante
o período em que o presidente Lula esteve fora de combate, por causa da
cirurgia no crânio, e apostou na solução simples para um problema muito
complexo. Ao promover a assinatura da portaria, ainda envolveu os ministros
Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão) e
Alexandre Padilha (Relações Institucionais) na trapalhada. Nas negociações de
bastidor para aprovação do ajuste fiscal, Rui Costa teria prometido ao
presidente da Câmara liberar R$ 10 milhões em emendas para cada deputado que
votasse a favor do projeto.
A primeira reação de Lira e dos líderes à decisão de Flávio
Dino de sustar o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas foi promover uma
rebelião na Câmara contra o Supremo, com a ameaça de aprovação de uma emenda
constitucional que reduzisse a competência dos ministros da Corte para a tomada
de decisões monocráticas. A valentia durou até a Polícia federal (PF) abrir o
inquérito para investigar as razões da portaria, já tendo grande volume de
informações sobre os casos de desvios de verbas federais a partir dessas
emendas.
Sabia-se que mais de 10 deputados estão sendo investigados
em sigilo de Justiça, mas ontem, nos bastidores do colégio de líderes,
comentava-se que o número pode ultrapassar as três dezenas de parlamentares.
Caso isso se confirme, será um escândalo muito maior do que os que o
antecederam em matéria de Orçamento. Os mais notórios foram Anões do Orçamento
(1993-1994), no qual parlamentares manipulavam emendas para beneficiar
entidades fantasmas; Sanguessugas (2006), a compra de ambulâncias
superfaturadas em conluio com empresas fornecedoras do Ministério da Saúde;
Operação João de Barro (2008), desvios de verbas destinadas a estradas e casas
populares; e o próprio Orçamento Secreto (2020-2022), a distribuição de
recursos sem transparência.
O fantasma que ronda a Câmara é a Operação Overclean, que
apura o desvio de R$ 1,4 bilhão de recursos por meio de licitações e contratos
fraudulentos. As operações policiais realizadas em Brasília e nas cidades
baianas de Salvador, Lauro de Freitas e Vitória da Conquista, às vésperas do
Natal, são a ponta de um iceberg, cujas ramificações podem chegar ao Norte do
país.
Em tempo: a coluna entra em breve recesso, feliz
ano-novo.
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