Tão importante quanto colocar os juros em nível
restritivo o suficiente é ter sangue-frio para mantê-los elevados pelo período
necessário
O futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo,
resumiu assim a sua estratégia de política monetária, na entrevista de
divulgação do Relatório de Inflação: “Buscar a taxa de juros necessária, no
patamar restritivo necessário, pelo tempo que for necessário, para atingir a
meta de inflação”.
O Comitê de Política Monetária (Copom) sinalizou que vai
elevar a Selic dos atuais 12,25% ao ano a 14,25% ao ano até março. Segundo
Galípolo, para saber “o que vai acontecer dali para a frente”, será preciso
“aguardar para ver como é que tudo vai se desenrolar”.
O propósito é colocar a taxa de juros em
nível restritivo, “com segurança”. Ou seja, num patamar que não desperte
dúvidas de que desacelera a economia e baixa a inflação, acima do que os
economistas chamam de taxa neutra.
Quando o Copom tiver levado a Selic a 14,25% ao ano, ela
poderá ser considerada restritiva o suficiente? Depende. Nesse patamar, os
juros reais deverão chegar a 8,8% ao ano, considerando expectativas de inflação
na casa dos 5% do boletim Focus. Se a medida for a inflação implícita, na casa
dos 6,5%, o juro real seria de 7,3% ao ano.
À primeira vista, a Selic nominal de 14,25% ao ano parece
ser restritiva. O Banco Central calcula que a taxa neutra de juros esteja,
atualmente, em 5% ao ano. No mercado financeiro, há quem a estime em 6% ao ano.
Os títulos públicos de longo prazo a colocam em cerca de 6,5%.
Mas esse cálculo muito simples não garante que a Selic seja
restritiva o suficiente. O presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell,
foi questionado recentemente qual seria a taxa neutra para os Estados Unidos.
Ele lembrou que esse é um conceito teórico que aponta um nível de juros que, na
ausência de choques, coloca a economia em equilíbrio. Choque é o que mais
acontece na economia brasileira, com uma brutal alta do dólar, impulso fiscal e
exuberância do crédito.
No último ciclo de aperto monetário, a política monetária
parecia restritiva, mas não foi suficiente. Não é a intenção - nem seria justo
- julgar com o conhecimento de agora. Essas decisões foram tomadas em um
ambiente muito incerto. Mas as dúvidas e debates daquela época são um parâmetro
do que seria um juro restritivo o suficiente “com segurança”.
Em fins de 2022, quando a Selic chegou a 13,75% ao ano, dois
membros do Copom votaram para subir um pouco mais. Eles notaram que, àquela
altura, o aperto monetário feito desde o ano anterior não estava tendo o efeito
esperado para esfriar a economia.
Setores do mercado interpretaram a interrupção como
prematura. Começou ali um processo de desancoragem das expectativas de inflação
de longo prazo, que se aprofundou com a expansão fiscal do governo Lula e
ataques ao BC.
No começo de 2023, pelo menos três membros do Copom vinham
sistematicamente levantando dúvidas, nas reuniões do colegiado, sobre se a taxa
neutra de juros era de apenas 4% ao ano, como então estimado. O argumento: a
economia não dava sinais de desaceleração, e a inflação resistia a cair.
Hoje, está claro que, com o impulso fiscal, a Selic deveria
ter sido calibrada ainda mais acima da taxa neutra. Na época, isso foi
subestimado pelo Copom e pelo mercado. Em dezembro de 2022, o comitê incorporou
no seu modelo de projeção uma expansão de gastos de R$ 130 bilhões relativa à
chamada PEC Emergencial, mas a sua projeção para a inflação 18 meses adiante
pouco se mexeu - passou de 3,2% para 3,3%.
A experiência do último ciclo de aperto monetário também
mostra que, tão importante quanto colocar os juros em nível restritivo o
suficiente, é ter sangue-frio para mantê-los elevados pelo período necessário
para fazer a inflação convergir para a meta.
As discussões no Copom para o início do ciclo de baixa
começaram em junho de 2023, quando uma parte dos seus membros ainda expressava
dúvidas se havia chegado a hora. A inflação havia caído, mas eles argumentaram
que a sua dinâmica refletia “componentes mais voláteis” e que a incerteza sobre
a capacidade ociosa da economia gerava “dúvida sobre o impacto do aperto
monetário até então implementado”.
Houve uma forte divisão na reunião seguinte, quando o Copom
começou um ciclo de distensão monetária mais forte, de 0,5 ponto percentual,
apesar de as expectativas de inflação não estarem completamente ancoradas nas
metas. O entendimento dominante, na época, foi que a desancoragem das
expectativas era um reflexo das incertezas na política fiscal.
A baixa de juros começou mesmo com “núcleos de inflação
ainda acima da meta, inflação de serviços acima do patamar compatível com a
meta para a inflação e atividade econômica resiliente”. A estratégia foi
começar a baixar, mas manter o orçamento total de distensão sob rédea curta.
A situação ficou pior. O mercado de crédito ganhou novo
impulso, e a diferença de juros interna e externa se reduziu, com o aperto
monetário nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que a deterioração fiscal
aumentou o prêmio de risco do Brasil.
Manter os juros no patamar restritivo pelo tempo necessário
vai exigir uma perseverança poucas vezes vistas no regime de metas de inflação
e assumir o risco de uma recessão. As últimas vezes que isso ocorreu foram sob
Ilan Goldfajn, em 2016, e Henrique Meirelles, em 2005.
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