O filme é uma obra prima: roteiro preciso, retrato fiel
de um momento histórico. Uma riqueza de detalhes e sutilezas que muitas vezes
os filmes não conseguem alcançar
Demorei para assistir ao filme de Walter Salles — Ainda
estou aqui, inspirado no livro de Marcelo Rubens Paiva. Estava esperando uma
noite, depois do expediente, em que estivesse descansado ou um fim de semana
sem trabalho e com o espírito preparado. Mas resolvemos eu e a Karina, minha
esposa, irmos na noite chuvosa de 8/1, dia marcado pela tentativa de golpe de
Estado no nosso país há dois anos. Dia em que o governo do presidente Lula
organizou duas solenidades em defesa da democracia e dos movimentos sociais e
os partidos democráticos fizeram o abraço à democracia na Praça dos Três
Poderes, em Brasília.
O filme é uma obra prima: roteiro preciso, retrato fiel de
um momento histórico. Uma riqueza de detalhes e sutilezas que muitas vezes os
filmes não conseguem alcançar. Uma plástica irreparável, belas imagens,
atuações espetaculares dos atores, com destaque para Fernanda Torres e Selton
Mello.
Uma história marcante. Entretanto, é
dolorido mostrar a monstruosidade do que é o aparato de Estado perseguindo o
cidadão, demonstra o desprezo do sistema totalitário pela pessoa humana, mostra
a utilização da força como instrumento de eliminação física dos adversários do
regime. Parafraseando Belchior na canção Galos, Noites e Quintais: "A
força fez com as pessoas o mal que a força sempre faz". Mostra a dureza de
um regime de exceção sob o olhar do sofrimento da vítima, da família, célula
mater da sociedade. O filme mostrou o que representa uma ditadura.
Fiquei pensativo imaginando o que poderia ter acontecido com
o Brasil e com as pessoas, nós, brasileiros e brasileiras, se os golpistas
tivessem vencido em 8 de janeiro de 2023. Iríamos viver uma espécie de
"dèja-vu" do terror em pleno século 21? Como foi necessário a
democracia ter vencido! O amor venceu o ódio.
Ainda reflexivo, passou um outro filme na minha cabeça de um
momento da minha trajetória na política. Fui líder estudantil na Universidade
Federal de Sergipe, presidente do DCE no início da década de 1990. Nossas
bandeiras nessa época eram educação pública e de qualidade, combate à fome e
fortalecimento da democracia. Nunca imaginei que tanto tempo depois, eu aos 50
e poucos anos ainda tivesse que lutar pelo combate à fome e à miséria e pela
democracia, tamanho o retrocesso que vivemos recentemente. A tentativa de volta
do fascismo, a tentativa de ascensão ideológica da extrema direita que
desrespeita o sistema eleitoral, os direitos humanos básicos conquistados
arduamente por pessoas como Eunice Paiva são um risco real ao qual todos nós,
no Brasil e no mundo, precisamos combater, levar esse debate para o coração da
sociedade.
Debater o país e o mundo que queremos nas famílias, nos
grupos de amigos, em eventos públicos, nas ruas, nas redes sociais e nas praças
do Brasil. Zelar por essa forma de organização política que dá trabalho manter
e melhorar a cada dia, mas não existe nada que o supere em seus valores
civilizatórios de liberdade, fraternidade, igualdade, justiça e desenvolvimento
social e ambiental. No governo, nosso esforço e trabalho diário é para abrir
cada vez mais espaço de inclusão de nossa gente nos debates e nas definições
dos rumos das políticas públicas. Aos poucos, por exemplo, estamos conseguindo
mostrar que é uma lição possível de outros países seguirem. Há bem pouco tempo
os movimentos sociais e populares brasileiros enfrentaram uma pressão violenta
do Estado tentando criminalizá-los. Com o retorno da normalidade democrática e
das relações saudáveis entre os poderes, a partir de 2023, esses movimentos
voltaram a ter o espaço que merecem dentro e fora do governo.
Antes de chegar à minha casa, depois do filme, lembrei ainda
da frase do poeta da minha geração, Renato Russo e a sua Legião Urbana, na
música Fábrica: "Deve haver algum lugar onde o mais forte não
consegue escravizar os que não tem chance". Digo eu: esse lugar é a
democracia. Faz-se necessário que a democracia, como valor universal, como
patrimônio da humanidade, como a forma de governo mais generosa para mediar os
conflitos na sociedade seja cuidada, defendida e protegida todos os dias.
Ainda estamos aqui! E ficaremos!
*Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República
Nenhum comentário:
Postar um comentário