Saída do Mercosul traria mais prejuízos que benefícios à
Argentina
A ameaça de Javier Milei de abandonar o Mercosul caso
o bloco não permita uma negociação de livre-comércio com os Estados
Unidos de Donald Trump tem
cara de blefe.
Primeiro, a premissa é estranha. As primeiras medidas que
Trump tomou sobre o tema podem ser classificadas de vários nomes, menos de
livre-comércio. O que levaria Trump a tratar produtos argentinos que queiram
acessar os EUA com mais benevolência do que os de outros países, além da
admiração ideológica?
O timing da fala de Milei tampouco ajuda a convencer. Quando
Jair Bolsonaro e Paulo Guedes quiseram pular fora do Mercosul, em 2019, o bloco
era acusado de imobilismo e de estar fechado para as cadeias globais. Não eram
poucos os que concordavam.
O argumento perdeu força. O Mercosul fechou
recentemente um amplo tratado com a União
Europeia. Fez um acordo com Singapura e está negociando com o Efta
(Associação Europeia de Livre Comércio) e os Emirados Árabes. Milei aceitaria
abrir mão do pacto com a UE?
Se estiver falando sério, o argentino ainda
terá que comprar uma briga com a indústria de seu país, cujos produtos
manufaturados entram no importante mercado brasileiro com tratamento
preferencial. É fácil antecipar que, no congresso em Buenos Aires, esses
interesses se fariam ouvir.
Por último, há um sem-número de acordos e decisões tomados
desde 1991 que têm como guarda-chuva o Mercosul. Para citar alguns: circulação
facilitada de pessoas entre os países; regras simplificadas para estudos e
reconhecimento de títulos universitários; cooperação consular; normas
específicas para recebimento de aposentadorias.
Sair do Mercosul colocaria a Argentina num
caos jurídico em que cada um desses acordos precisaria ser negociado novamente
(e de forma bilateral) caso Buenos Aires queira preservar direitos dos
argentinos que visitam ou residam no Brasil, Paraguai ou Uruguai.
Dito isso, Milei é um líder imprevisível e pode muito bem
ignorar qualquer consequência por fidelidade a Trump. Mas a complexidade de uma
versão argentina do Brexit é tamanha que, ao menos no momento, só vendo para
crer.
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