quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

AO AVANÇAR CONTRA IMIGRANTES, TRUMP AFRONTA CONSTITUIÇÃO

Editorial Folha de S. Paulo

Ordem que proíbe nacionalidade automática a filhos de estrangeiros que entraram ilegalmente nos EUA satisfaz apoiadores

Da enxurrada de controversas ordens executivas que Donald Trump baixou em sua volta à Casa Branca, destaca-se o decreto que restringe a concessão de cidadania aos indivíduos que nasçam no país.

A medida contraria um dos mitos fundadores dos EUA, o de nação aberta à imigração e forjada por pessoas que abandonaram tudo para "fazer a América".

"Dai-me os vossos cansados, os vossos pobres, as vossas massas encurraladas ansiosas por respirar liberdade", dizem os versos de Emma Lazarus inscritos ao pé da Estátua da Liberdade, na ilha Ellis, por onde chegavam os imigrantes europeus.

Na prática, Trump quer que filhos de imigrantes ilegais nascidos nos EUA deixem de receber automaticamente a cidadania, mas é improvável que consiga.

O "jus soli", que assegura nacionalidade com base no local de nascimento e não na ascendência familiar, está na 14ª emenda à Constituição, que não pode ser revogada pelo presidente.

Dezenas de estados, cidades e organizações já entraram com ações judiciais contra a medida. É provável que alguma saia vitoriosa num tribunal federal. O caso pode chegar à Suprema Corte, que, em tempos normais, referendaria o veto ao decreto.

Entretanto, como a polarização e o populismo trumpista desestabilizam instituições, não se deve descartar a possibilidade de a Suprema Corte —com maioria conservadora (três dos nove ministros foram indicados pelo republicano)— ver-se tentada a reescrever a Carta.

Trump está menos interessado no resultado do que no ruído que produz, com o qual mobiliza seus seguidores. Se sua tese for derrotada, poderá dizer que tentou, mas foi traído por uma elite judicial corrupta —discurso conspiratório que agrada a seus fiéis.

E quanto ao mito fundador? A resposta tem algo de paradoxal. Sim, os EUA tornaram-se a nação mais poderosa do mundo com as levas de imigrantes. Mas isso não apaga o fato de que, ao longo de sua história, o país fechou as portas à entrada de certos grupos de estrangeiros, geralmente com base em ideias racistas.

Vítimas célebres incluem chineses, irlandeses, italianos (e outros europeus do sul), judeus e os chamados hispânicos.

É interessante notar que, apesar da oposição à imigração fomentada por Trump e a direita, é graças a ela que os EUA estão numa situação demográfica e econômica muito mais confortável do que a de outros países ricos. Se o atual presidente conseguir contê-la, poderá matar a proverbial galinha dos ovos de ouro.

Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário