Lula enfrenta um desafio que poderia ser tema de um épico
político: governar um país dividido, em que alianças frágeis e interesses
conflitantes tornam cada decisão um ato de coragem
Se a política brasileira fosse uma novela, estaríamos em um
daqueles episódios de reviravolta — o tipo em que os personagens enfrentam
dilemas impossíveis, mas, ainda assim, deixam os espectadores ansiosos pelo
próximo capítulo. Só que, ao contrário da ficção, aqui não há roteirista. O
Brasil está no centro de uma trama que envolve governabilidade, reformas e um
povo que, apesar de tudo, ainda acredita em mudanças.
Parece simples? Não é. A política brasileira tem o dom de
transformar cada avanço em um campo de batalha. Como pensa Steven Levitsky,
autor de Como as democracias morrem, a democracia morre na sombra da
polarização. E o Brasil, como muitos países, atravessa um momento em que as
disputas vão além do campo ideológico. Elas se tornam pessoais, agressivas e
paralisantes, transformando verdades em trincheiras e desacordos em conflitos
permanentes.
O presidente Lula, em seu terceiro mandato,
enfrenta um desafio que poderia ser tema de um épico político: governar um país
dividido, em que alianças frágeis e interesses conflitantes tornam cada decisão
um ato de coragem. Como destacou o Banco Mundial em relatório recente, as
reformas estruturais são necessárias, mas difíceis.
É nesse contexto que entram as reformas administrativa e
tributária, junto com ajustes fiscais que buscam equilibrar as contas públicas.
O problema? Cada uma delas é um jogo de alto risco. Para atender ao mercado e
ao Centrão, o governo pode desagradar sua base progressista. E, para agradar
sua base, pode perder a confiança de investidores e aliados estratégicos.
Ainda assim, o governo precisa avançar. Sem reformas, a
máquina pública continuará emperrada, os juros continuarão altos e o custo de
vida seguirá sufocando a população. A inflação não é só um número, é o prato
vazio na mesa do brasileiro. Essa frase, que carrega a realidade de milhões,
traduz como decisões políticas afetam diretamente a vida cotidiana. Não há
espaço para erros ou promessas vazias.
Enquanto o governo tenta equilibrar interesses, o Brasil
segue aguardando respostas. É aqui que surge a verdadeira questão: a mudança de
que o país precisa não virá apenas de Brasília. Virá da capacidade de conectar
políticas públicas à realidade das pessoas. Virá de cidadãos que enxergam a
própria responsabilidade no processo político.
A história recente mostra que o Brasil já superou crises
enormes, mas sempre a um custo alto. Isso precisa mudar. O país tem o potencial
de ser uma potência global, mas é necessário investir onde realmente importa:
educação, tecnologia e redução das desigualdades. Não se trata apenas de
reformas fiscais, mas de criar um modelo de desenvolvimento sustentável, onde a
inclusão social seja o pilar central.
Essa nova narrativa exige mais do que líderes inspirados;
exige uma população engajada. "Quem não participa da política vive as
escolhas dos outros", e essa verdade nunca foi tão urgente. O eleitor
brasileiro tem em suas mãos a possibilidade de não apenas escolher quem
governa, mas também de cobrar resultados e participar do processo decisório.
Um exemplo disso são as redes sociais, que deixaram de ser
apenas espaços de debate para se tornarem ferramentas de mobilização e
conscientização. Ao mesmo tempo, elas também podem amplificar desinformação e
polarização, dois venenos que enfraquecem a democracia. Combater isso é um
esforço coletivo.
O Brasil está escrevendo um capítulo decisivo de sua
história. Como em qualquer boa narrativa, os desafios são o que definem os
protagonistas. Mas, diferentemente da ficção, aqui não há espectadores. Todos
estão envolvidos, queiram ou não.
Se "polarizar é fácil, dialogar é coragem", qual
será a coragem que teremos para enfrentar nossos desafios? O próximo capítulo
do Brasil ainda não está escrito, mas cabe a nós decidir se será uma história
de avanços ou mais um ciclo de oportunidades perdidas.
A política brasileira não precisa de heróis; ela precisa de
pessoas dispostas a transformar indignação em ação. E, acima de tudo, precisa
de uma sociedade que entenda que o futuro é construído, um passo de cada vez —
mas que cada passo importa.
*Professor de políticas públicas no Ibmec DF e diretor de
public affairs da consultoria internacional Burson
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