domingo, 19 de janeiro de 2025

DICOTOMIA PERNICIOSA

Merval Pereira, O Globo

Acusar um governo, qualquer governo, de querer fazer alguma coisa, por mais estapafúrdia que seja, não é ato criminoso que mobilize a máquina do estado contra o adversário

A ameaça de uso da máquina pública para perseguir os que espalharam boatos sobre taxação do Pix, especialmente o deputado Nikolas Ferreira, é mais um erro do governo na guerra de comunicação que vem perdendo para a oposição. Espalhar boatos contra os adversários sempre foi uma arma política usada nas campanhas eleitorais, e acusar o governo de querer taxar alguma coisa não pode ser considerado crime.

Pode ser golpe baixo, que reverterá contra o boateiro se respondido de maneira convincente. É diferente de atacar a honra de alguém, ou espalhar calúnias pelas redes sociais. Acusar um governo, qualquer governo, de querer fazer alguma coisa, por mais estapafúrdia que seja, não é ato criminoso que mobilize a máquina do estado contra o adversário. Já houve campanhas em que se espalhou o boato de que o adversário, caso vencesse, acabaria com a Bolsa Família, e ninguém foi preso.

Golpes sujos em campanhas políticas são deploráveis, mas fazem parte da história de qualquer democracia. O governo petista exagera na tentativa de mostrar-se o único obstáculo antes da barbárie, tendo por isso que ser apoiado necessariamente pelos democratas. É a mesma tática dos adversários, que também se anunciam como os únicos a terem condições de barrar a investida petista contra a democracia.

Se temos os exemplos recentes de tentativa de golpe levada a efeito pelo ex-presidente Bolsonaro e seus adeptos, temos a lembrança de fatos não tão longínquos que levaram o presidente Lula à condenação justamente por distorcer o processo democrático com a corrupção de partidos políticos nos episódios do petrolão, antecedido pelo mensalão.

Os caminhos tortuosos que procuradores de Curitiba e o ex-juiz Sérgio Moro percorreram até a condenação do ex-presidente no petrolão não deram um atestado de inocência aos condenados, já que em nenhum dos casos houve a devida revisão para anulá-los. As mesmas denúncias de abusos estão sendo feitos em relação à atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) nos processos sobre fake news e ataques à democracia que atingem o ex-presidente Bolsonaro e seus aliados e permanecem sob sigilo como um fantasma sobre o país há vários anos.

Provavelmente por isso já percorre as plataformas digitais uma campanha contra Lula e Bolsonaro, destacando a necessidade de nos livrarmos dessa polarização, que leva a equívocos, a escolher o menos pior, dependendo das circunstâncias. Na eleição de 2018, Bolsonaro surgiu como o antídoto à volta do petismo, vencendo com facilidade, até porque Lula estava preso e o país vinha de uma tragédia econômica e financeira que foi o governo Dilma.

Em 2022, Lula já solto pelo STF, venceu com pequena margem para impedir que Bolsonaro tivesse um segundo mandato que se prenunciava à maioria um desastre continuado. O que se confirmou depois com os episódios de 8 de janeiro de 2023 e a revelação de tentativa de golpe. Em 2026, teremos, ao que tudo indica, uma disputa que se dará com o ex-presidente Bolsonaro preso. Impossível imaginar o que acontecerá desta vez, inclusive porque não se sabe se Lula poderá disputar, ou se Bolsonaro continuará inelegível.

Pelo menos o ex-presidente tem esperanças de que a volta de Trump ao poder leve a justiça brasileira a rever sua condenação. Na minha opinião, é uma vã esperança de imediato, mas tem base se um candidato da direita ligado a Bolsonaro se eleger em 2026. Existe ainda a possibilidade de que o presidente de direita não aceite anistiar Bolsonaro, nunca se sabe. O que reforça a ideia de que o país ganharia se um candidato, de qualquer espectro político, aparecesse para superar essa dicotomia personalista que tem levado o país à paralisia.

Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário