Imagine Antonio Maria, Chacrinha e Dorival Caymmi,
desempregados, rachando um apartamento
Cidades são assim: feitas para as pessoas se encontrarem,
mas para morarem longe uma das outras. Quando calha de morarem juntas, é um
acontecimento. Na aurora dos 1800, os poetas românticos ingleses Keats e
Shelley dividiram um apartamento na Piazza di Spagna, 26, em Roma —hoje é o
glorioso museu deles. James
Stewart e Henry Fonda, atores iniciantes na Hollywood de 1933,
dividiram uma casa em Brentwood, Los Angeles. Nos dois casos, faziam-se
rodízios para a entrada e saída das namoradas.
Não era o que acontecia em 1940 na rua do Passeio, 36, na
Cinelândia. Não por falta de charme dos inquilinos, mas por fome, mesmo. Ali
moraram ao mesmo tempo, recém-chegados ao Rio, sonhadores e desempregados, os
jornalistas e compositores Antonio Maria e Fernando Lobo (futuros autores de "Ninguém me
Ama"), o pintor Augusto Rodrigues, os radialistas Abelardo Barbosa, depois
Chacrinha, e Theophilo de Barros, todos pernambucanos, e, da Bahia, o
compositor Dorival Caymmi. Não havia cama para todo mundo —enquanto um
dormia, o outro ia procurar emprego. Todos encontraram.
Na rua Otaviano Hudson, uma ladeira em
Copacabana, em 1959, racharam uma quitinete os já quase famosos, mas sem
tostão, João Gilberto,
Miele e Ronaldo Bôscoli. Foi lá que João Gilberto ensaiou "O Pato"
com a porta aberta, para saber se Bôscoli o ouvia no fim do corredor. Não só
Bôscoli como todos os 11 vizinhos do andar o ouviram muito bem nos dias e
noites em que ele ensaiou "O Pato".
No Conjunto dos Jornalistas, um condomínio no Leblon, também
moraram, nos anos 60, o craque botafoguense Nilton Santos, o jornalista Sandro Moreyra, o cineasta Alex
Viany, os dramaturgos Oduvaldo Viana, o pai e o filho, e, por um breve tempo,
no apartamento de sua tia Maria Angélica, Raul Seixas.
E conheci bem um lugar que também ficou famoso: o Solar da Fossa, na rua Lauro Muller, onde é hoje o Shopping Rio-Sul. Entre 1967-72, foi o lar de Caetano Veloso, Gal Costa, Paulinho da Viola, Betty Faria, Zé Kéti, Paulo Coelho, Paulo Leminski, Fernando Pamplona, românticos, boêmios e mal pagos, e muitos mais. Um deles, eu.
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