Haddad terá o desafio de convencer o País de que tem peso
e voz no governo, que pode resistir à artilharia do PT e que é um ministro da
Fazenda de fato, e não um mero operador de Lula
Epicentro da crise que abalou o real e atormentou o governo
de Lula da Silva nas últimas semanas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
terá muito mais trabalho nos primeiros meses de 2025. Sua principal tarefa é
uma espécie de retorno à cartilha básica do posto que ocupa: convencer o
mercado financeiro, o mundo corporativo e demais setores da economia de que tem
peso e voz no governo, que ainda pode ser um guardião da sobriedade econômica,
do equilíbrio fiscal e do controle da inflação e que pode sobreviver à
artilharia pesada de petistas contra sua gestão – e derrotá-la. Haddad terá
como missão, portanto, mostrar que pode ser um ministro da Fazenda de fato, e
não um mero operador obediente de Lula, desidratado pelo pensamento rupestre do
PT em matéria econômica.
Desde o desastrado anúncio do pacote de revisão de gastos do
governo e seus efeitos imediatos – o amargor do mercado, a disparada do dólar e
a elevação da curva futura de juros –, ficou claro que o PT se impôs sobre
Haddad. Sua fragilidade como ministro não se revelou somente na esqualidez do
pacote, mas também na sucessão de fatos que o tisnaram: primeiro, a sensação de
desconfiança diante dos sucessivos adiamentos do anúncio, um sinal de que
Haddad enfrentava dificuldades para fazer até mesmo o básico; segundo, o
tamanho do corte, muito menor do que o esperado; terceiro, a decisão de reunir
no mesmo anúncio a contenção de gastos e uma reforma no Imposto de Renda para
isentar quem ganha até R$ 5 mil, uma sugestão do marqueteiro de Lula, Sidônio
Palmeira, a que Haddad supostamente resistiu.
Há algo de errado quando, em assuntos econômicos, um
marqueteiro prevalece sobre um ministro da Fazenda. Há algo de muito errado
quando as decisões do homem forte da economia parecem cada vez menos fruto de
suas ideias. Nenhum ministro da Fazenda do Brasil tem vida fácil, mas sua
sobrevida no posto e, sobretudo, sua contribuição para o País dependem em
grande medida da credibilidade que preserva. O risco, para Haddad, é ver
desmilinguir a relevância de suas palavras, a eficácia de suas medidas e o peso
de suas ideias num governo que não hesitou em fragilizá-lo.
Uma máxima em Brasília sugere que todo ministro da Fazenda
dorme com uma espada de Dâmocles sobre a cabeça. Depois do presidente, nenhum
posto acumula tanto poder e ao mesmo tempo sofre tantas pressões. Poucos
empregos no País têm, simultaneamente, tamanha força e fragilidade. No abismo
que separa uma coisa da outra, porém, há uma linha tênue, em geral preservada
segundo o nível de eficiência do ministro, sua capacidade de oferecer
previsibilidade e confiança e o respaldo concedido pelo chefe. Assim foram as
marcantes gestões de poderosos e eficientes ministros como Fernando Henrique
Cardoso, Pedro Malan e Henrique Meirelles.
Haddad enfrenta hoje um ambiente distinto do que, por
exemplo, enfrentou o primeiro ministro da Fazenda de Lula, Antonio Palocci.
Mesmo com um poderoso José Dirceu no comando da Casa Civil e da ala política do
governo, e sob o grito histérico de petistas inconformados com sua política
fiscal, Palocci teve autoridade para preservar o tripé macroeconômico (câmbio
flutuante, sistema de metas para inflação e controle das contas públicas)
herdado de FHC, alinhar-se com um responsável presidente do Banco Central (Henrique
Meirelles), montar uma equipe de liberais competentes (Marcos Lisboa e Joaquim
Levy entre eles) e promover reformas microeconômicas importantes. Foram feitos
que ajudaram a pavimentar o caminho de Lula, a ponto de o presidente
reeleger-se mesmo debaixo da tempestade do mensalão.
Se foi a força econômica que ajudou presidentes a superarem
crises políticas – como Lula em 2006 e Michel Temer em 2017 –, foram desastres
econômicos a pá de cal da derrocada política de outros, como Fernando Collor em
1992 e Dilma Rousseff em 2016. Dos melhores aos piores exemplos, contudo, uma
coisa é certa: não se constrói fortaleza econômica sem ministros da Fazenda
efetivamente fortes, dentro e fora do governo. Um corolário que precisará estar
na cabeça de Haddad caso o ministro ambicione superar a imagem de fraqueza com
a qual terminou 2024. E, sobretudo, se quiser deixar alguma marca para a
economia brasileira.
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