Em países como o Brasil, onde as desigualdades são amplas
e a alimentação pesa muito no orçamento familiar, a importância política dos
preços agrícolas é especialmente grande
No país do feijão com arroz, comer em casa ficou 8,23% mais
caro, no ano passado, enquanto o custo de vida subiu em média 5,08%, de acordo
com a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA). As mais prejudicadas foram obviamente as famílias de baixa renda,
aquelas com maior gasto proporcional em alimentação. Comida mais cara significa
menos dinheiro para blusinhas, para um fim de semana mais divertido ou até para
o material escolar das crianças, um dos desafios do começo de ano. Para o
presidente da República, empenhado na reeleição ou no apoio a um sucessor,
inflação acima do teto da meta tende a ser um alerta de emergência.
O alerta soou, nos últimos dias. O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva logo reagiu, discutindo medidas para conter os preços e garantir
um boa produção neste ano. A resposta seria mais simples, mais pronta e mais
eficaz se o governo tivesse estoques para abastecer o mercado. Cuidar da nova
safra seria o passo seguinte, dentro da rotina de uma política agrícola normal.
Mas essa política tem sido, há alguns anos, bem menos “normal” do que havia
sido nas últimas quatro ou cinco décadas.
A mudança de padrão é evidente na evolução
dos estoques públicos. Manter reservas foi parte importante da rotina
governamental durante quase meio século. No caso do arroz, o último estoque
oficial – de 1.759 toneladas – foi registrado em dezembro de 2022. Desde 1988,
os volumes guardados pelo governo superaram, em alguns anos, 3 milhões e até 4
milhões de toneladas, e com frequência corresponderam a centenas de milhares.
No caso do feijão, nenhum estoque sobrou desde os meses finais de 2016. Em
junho de 2023 o governo anunciou a intenção de retomar a política de estoques,
a partir de uma inicial de milho, mas a mudança foi pouco visível até o ano
passado.
No Brasil, como nos Estados Unidos, a formação de reservas
de alimentos, mantidas ou financiadas pelo governo, tem sido justificada por
dois objetivos. Um deles é a sustentação de preços mínimos oficiais, uma forma
de proporcionar segurança financeira aos produtores. O outro é a manutenção de
estoques estratégicos, com a finalidade principal de garantir o abastecimento
do mercado interno. Com pequenas variações, políticas de preços mínimos e de
estocagem são encontradas em outras áreas, incluída a Europa capitalista, onde
muitos produtores são financiados até sem a obrigação de produzir. Além disso,
o protecionismo comercial é um componente tradicional das políticas agrícolas
europeias – um obstáculo importante para concorrentes como o Brasil.
Mesmo com a redução de alguns subsídios, a agropecuária
europeia continua, como a americana, fortemente amparada pelas políticas
oficiais. Os subsídios do governo brasileiro à agropecuária são muito menores,
até pelas limitações financeiras do governo, do que aqueles concedidos a
produtores do mundo rico. Não há, na maior parte do mundo, grande atividade
rural baseada exclusivamente nas condições do mercado. O apoio oficial pode até
diminuir, quando são muito favoráveis as condições de produção e de comercialização,
mas o poder público se mantém pronto para voltar à cena.
Em países como o Brasil, onde as desigualdades são amplas e
a alimentação pesa muito no orçamento familiar, a importância política dos
preços agrícolas é especialmente grande. Isso bastaria, na ausência de qualquer
outro fator, para tornar compreensível a inquietação de um governante ao notar
a inflação dos alimentos. Nada há de estranho, mesmo sem levar em conta
qualquer solidariedade aos pobres, na reação presidencial noticiada pelos
jornais.
A importação de alguns produtos poderá atenuar os danos
causados pela inflação da comida. Cuidar da próxima safra poderá evitar novos
problemas neste ano e também no próximo. Mas o ensinamento proporcionado pelos
problemas de hoje é mais amplo, embora repetitivo.
Fica evidenciada, mais uma vez, a conveniência de uma
atenção especial à produção de certos alimentos básicos, muito importantes na
dieta e também no orçamento da maior parte dos brasileiros. Não deve bastar,
nesse caso, a orientação eventualmente proporcionada pelos sinais do mercado.
Vale a pena tratar a oferta de alguns tipos de comida como questão de segurança
pública. Isso tem sido aparentemente esquecido ou negligenciado.
Economistas podem ter uma visão diferente, mas a demanda de
comida tem características particulares. Conter a demanda, em sentido amplo,
pode ser uma forma eficiente de combater a alta geral de preços, mas essa
contenção pode ser desastrosa quando afeta o mercado de alimentos. É difícil
evitar esse efeito quando a restrição monetária prejudica o emprego e os ganhos
dos grupos mais vulneráveis. As famílias de renda baixa e até média são em
geral as mais prejudicadas tanto pela inflação quanto pela política anti-inflacionária.
Tudo piora quando até o feijãozinho com arroz fica mais caro, seja pela quebra
de safra, pelo custo de algum insumo ou pelo efeito geral da gastança do
governo
Nenhum comentário:
Postar um comentário