Musk e Reich do Silício encontraram em Trump chance de
realizar sua utopia sem democracia
O que parecia exagero retórico em 2014 já não é mais o
caso
A expressão "Reich do Silício" foi criada pelo
jornalista Corey Pein em um texto publicado no site The Baffler sobre ideias
autoritárias que começavam a fazer sucesso no Vale do Silício. Em 2014, quando
o artigo saiu, parecia um exagero retórico para criar um bom título.
Não é mais o caso.
Elon Musk, o
homem mais rico do mundo, aproveitou a posse de Donald Trump,
o homem mais poderoso do mundo, para anunciar sua adesão às ideias da extrema
direita europeia dos anos 30.
Só há uma interpretação possível para a saudação de Musk, e
é a óbvia. Se você discorda, repita o gesto dentro de uma Sinagoga e veja se
alguém não entende do que se trata.
Mas Musk não era o único representante do Reich do Silício
na posse
de Trump. Como mostrou Patrícia
Campos Mello em matéria
publicada nesta Folha em 24 de agosto, o novo vice-presidente
americano, J.D. Vance, é um entusiasta das ideias autoritárias que prosperaram
entre os bilionários da tecnologia.
Vance já citou com aprovação Curtis Yarvin,
que assina seus posts como Mencius Moldbug. Yarvin defende que os americanos
superem sua "ditadorfobia" e aceitem o governo monárquico de um CEO.
Afinal, diz ele, as empresas são mais eficientes que os governos.
Dá vergonha ter que refutar, mas vá lá: o que faz as firmas
eficientes são as instituições do mercado, a competição, o vasto volume de
informação transmitido pelos preços. Onde isso tudo é impossível, ou por algum
motivo indesejável, o governo deve agir.
Se você colocar um CEO governando um Estado, ele não vai
poder contar com o mercado para lhe dizer o que fazer; daí em diante, suas
chances de sucesso serão as mesmas de qualquer político.
Mas o principal inspirador do novo vice americano é Peter
Thiel, um grande investidor da indústria
de tecnologia. Em 2009, Thiel escreveu um artigo para o think tank
conservador Cato Institute em que declarou que não acreditava mais que a
liberdade e a democracia eram compatíveis.
Era 2009, um ano depois da grande crise de 2008, da qual o
mundo, e a legitimidade da democracia, ainda não se recuperou. A crise foi
inteiramente causada pela falta de regulamentação do setor financeiro privado,
o que gerou nos eleitores um interesse maior pela intervenção estatal na
economia. Foi isso que deprimiu Thiel, que obviamente achava que a crise tinha
sido causada pelo governo.
Na verdade, Thiel lamentava que as condições para o
exercício da liberdade já viessem se enfraquecendo desde a década de 20. Duas
coisas teriam dificultado o sucesso eleitoral de libertarians como ele: o
aumento do número de recipientes de programas sociais e a conquista do direito
ao voto pelas mulheres.
Diante desse quadro, Thiel propunha três saídas: o
ciberespaço, que ainda era terra de ninguém, a expansão para outros planetas e
o seasteading, a criação de países artificiais no meio do oceano em que a
utopia libertarian pudesse ser implementada.
Pessoalmente, sou um grande defensor de que idiotas se mudem
para plataformas de petróleo abandonadas em águas internacionais, porque isso
em geral é longe de onde eu estou.
Mas Musk, Thiel e o resto do Reich do Silício encontraram em
Trump uma chance de realizar em território americano sua utopia sem regras nem
democracia.
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