Se os EUA continuarem elegendo um presidente bilionário,
apoiado fartamente por outros bilionários, o lugar de destaque na festa de
posse talvez tenha de ser aumentado
As duas cenas ocorreram no mesmo dia. Em Davos, nos Alpes
suíços, a organização não governamental Oxfam divulgava aos participantes do
Fórum Econômico Mundial seu relatório mostrando que a riqueza dos bilionários
cresceu US$ 2 trilhões em 2024 e que o mundo está perdendo a guerra contra a
desigualdade. Em Washington, Donald Trump tomava posse como 47.º presidente dos
Estados Unidos tendo como convidados em lugar de honra alguns dos homens mais
ricos do mundo.
Pode até ser que alguns desses multibilionários apoiem Trump
por verem nele capacidade de tornar o mundo melhor para todos. O que interessa
a todos eles, porém, é a possibilidade de o apoio ao presidente da maior
potência econômica e militar do planeta facilitar seus negócios e torná-los
ainda mais ricos. Naquela cena, se alguém estivesse preocupado com
desigualdades não estava entre as figuras mais notadas. A depender de algumas
das personalidades que terão grande destaque ao longo do governo Trump, por isso,
o quadro apresentado pela Oxfam tenderá a piorar para quem não é bilionário.
“Nunca foi um tempo tão bom para ser um
bilionário. Suas fortunas dispararam para níveis jamais vistos, enquanto as
pessoas que vivem na pobreza em todo o mundo continuam a enfrentar várias
crises”, afirma o relatório Às custas de quem: a origem da riqueza e a
construção da injustiça no colonialismo, que a Oxfam divulgou em Davos. Fundada
em 1942 por ativistas ingleses de Oxford para ajudar a população da Grécia
ocupada pelos nazistas, a Oxfam é uma organização internacional que tem como
objetivo combater a pobreza, a desigualdade e a injustiça. Atua no Brasil desde
1965.
A concentração da riqueza não chega a surpreender, muito
menos no Brasil. Pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e estudos baseados nas declarações anuais apresentadas à Receita
Federal, mesmo com a subnotificação do rendimento de parte dos mais ricos, vêm
mostrando a imensa disparidade de renda entre os brasileiros.
O que surpreende, no mais recente relatório da Oxfam, é a
velocidade com que aumenta a riqueza dos muito ricos. Eles ficam cada vez mais
ricos e cada vez mais depressa. Sua riqueza aumentou três vezes mais rápido em
2024 do que em 2023. Por isso, agora se espera que haja cinco trilionários em
uma década. O primeiro, lembra a Oxfam, foi identificado em 2023. Já o número
dos que vivem na pobreza praticamente continua o mesmo desde 1990, por causa
das crises econômicas, climáticas e de conflito. Se os Estados Unidos
continuarem elegendo um presidente bilionário, apoiado fartamente por outros
bilionários, o lugar de destaque na festa de posse talvez tenha de ser
aumentado.
Outra conclusão do estudo da Oxfam é a de que a maior parte
da riqueza dos bilionários não é conquistada em condições normais de mercado,
que em geral premia os mais competentes. Essa riqueza é tomada, pois 60% vem de
herança, favoritismo e corrupção ou poder de monopólio. “Nosso mundo
extremamente desigual tem uma longa história de dominação colonial que
beneficiou amplamente as pessoas mais ricas”, acrescenta.
Desde 1990, de acordo com o Banco Mundial, quase 3,6 bilhões
de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, o que representa 44% da
humanidade. Enquanto isso, em uma simetria perversa, o 1% mais rico possui uma
proporção quase idêntica, pois detém 45% de toda a riqueza.
Políticas sociais em áreas como educação, saúde, proteção
social, direitos trabalhistas e tributação progressiva vêm sendo reduzidas na
maioria dos países, o que leva a Oxfam a prever cenários piores no futuro: “Sem
ações políticas urgentes para reverter essa tendência preocupante, é quase
certo que a desigualdade econômica continuará a aumentar em 90% dos países”.
No Brasil, graças à retomada de programas de transferência
de renda desativados ou destroçados no período 2019-2022, a pobreza foi
reduzida em 2023, depois de muitos anos de aumento. O Programa Bolsa Família
teve papel decisivo nessa mudança. A recuperação do mercado de trabalho também
contribuiu para a redução da pobreza no País.
Os indicadores sociais continuam, no entanto, mostrando uma
sociedade muito desigual e uma lenta redução das taxas de pobreza, quando não
sua estabilidade. Mudar essa tendência implicaria políticas de distribuição de
renda mais agudas, o que exige grande concordância política, difícil de ser
alcançada.
“Reduzir a desigualdade, como questão abstrata, é algo que
boa parte da população é a favor”, lembrou o doutor em Sociologia e pesquisador
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Pedro Ferreira de Souza, em
entrevista recente ao jornal Valor Econômico. “Mas, na hora em que começa a
mexer em questões específicas, as pessoas começam a gritar porque de fato é
preciso impor perdas a determinados grupos. E grupos com muitos recursos.
Reformas nesse sentido teriam efeito imediato sobre desigualdade.”
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