Entre picanha e salsicha, o marketing reverso de Lula
O preço dos alimentos tem dinâmica própria, influenciado
por oferta e demanda, clima, safra, cotações internacionais. Não existe bala de
prata para derrubá-lo
Na publicidade, o marketing reverso é uma inversão de
perspectivas. O processo mais comum e tradicional é a busca da atenção e dos
recursos dos consumidores. O marketing reverso faz com que o consumidor passe a
procurar pelo serviço e/ou produto oferecido de forma mais orgânica. É uma
estratégia menos invasiva e agressiva, mas, às vezes, dá errado.
O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva é um comunicador nato e voltou ao poder com
uma narrativa ancorada nos seus dois mandatos anteriores. Um dos motes de sua
campanha foi uma espécie de marketing reverso: a esperança dos pobres de que
voltariam a comer picanha no churrasco do fim de semana.
Não há popularidade que resista à inflação,
sobretudo de alimentos. Por ironia, o maior problema com a inflação são as
carnes, que sumiram das geladeiras da maioria dos brasileiros, porque o preço
das proteínas está proibitivo. Por exemplo: a picanha fatiada para churrasco
custa R$ 54. O acém moído, a carne que mais rende na mesa, em torno de R$ 19. A
primeira proteína bovina que entra na casa do pobre é processada: a salsicha,
que custa em torno de R$ 13. Nas gôndolas, o quilo do frango inteiro ou de
pernil suíno picado (com osso) está R$ 9, o mesmo preço do pé de galinha e da
orelha de porco.
Para o falecido historiador francês Pierre Chaunu,
especialista em estudos sobre a América espanhola, uma das causas de os
chineses não terem conquistado as Américas antes de espanhóis e portugueses foi
a falta de proteína animal (Expansão europeia do século XIII ao XV, Editora
Pioneira). A China era a maior potência econômica da época e dispunha de uma
grande força naval, com tecnologia e conhecimentos de navegação para atravessar
todos os mares.
O ex-comandante da Marinha britânica Gavin Menzies (O ano
que a China descobriu o mundo, Editora Bertrand) revelou que os chineses,
liderados pelo grande navegador eunuco muçulmano Zheng He, haviam navegado da
África até a foz do Rio Orenoco, na atual Venezuela. Depois, desceram a costa
do continente até o Estreito de Magalhães, ao sul da América do Sul, ainda no
ano de 1421. Ou seja, 71 anos antes de Cristóvão Colombo. A expansão chinesa
foi contida pela decadência da dinastia Ming, sob crescente ameaça do líder
mongol Altã Cã (1507-1582), que invadiu a China e dominou grande parte do
território, até os arredores de Pequim.
Devido à grande densidade demográfica, resolver o problema
alimentar, principalmente a escassez de proteína animal, sempre foi a chave da
estabilidade dos governos chineses. Foi a necessidade chinesa de importação de
proteína animal que fez o Brasil se tornar o segundo produtor mundial de
carnes, com 11,9 milhões de toneladas (19,5% da produção mundial). O primeiro
são os Estados Unidos (12,3 milhões, 20%) e o terceiro, a própria China (7,8
milhões/ 12,7%), hoje o nosso maior parceiro comercial.
Sem bala de prata
Ao analisar as causas da atual inflação de alimentos (in
natura, semiprocessados e industrializados), constata-se que os produtos
exportados (commodities) são os que sofrem maior influência do câmbio. Como o
real desvalorizou-se 27% em relação ao dólar no ano passado, era inevitável seu
impacto no preço dos alimentos. Esse é o tamanho do problema, ainda que o dólar
tenha baixado a menos de
R$ 6 desde a posse de Donald Trump.
O IPCA-15, prévia da inflação oficial, foi de 0,11% em
janeiro, acima da expectativa de queda. Só a alimentação em casa subiu 1,10% em
janeiro. O café, por exemplo, subiu 7% em apenas um mês. O tomate, por sua vez,
ficou 17% mais caro no mesmo período. Alguns alimentos tiveram queda, como é o
caso da batata-inglesa (-14,16%) e do leite longa vida (-2,81%). Mas o ciclo da
carne não terá alívio: nas projeções do IPCA, deve ter alta de 16,8%, em 2025,
depois de encarecer 20,8%, em 2024.
Não há mágica para segurar a inflação de alimentos, muito
influenciada pelo câmbio. Como se sabe, a desvalorização do real está associada
ao aumento do deficit fiscal, à alta taxa de juros e ao crescimento da dívida
pública. Sofre com um ciclo vicioso que abala a credibilidade da política
econômica. Quando o ministro da Casa Civil, Rui Costa, na quarta-feira, disse
que conversaria com ministros "para buscar um conjunto de intervenções que
sinalizem para o barateamento dos alimentos", ampliou as desconfianças de
que o governo optará por soluções populistas de curto prazo para conter a
inflação, acelerando esse ciclo.
De acordo com pesquisa Quaest, 78% dos brasileiros
consideraram ter havido aumento no preço dos alimentos e 65% nas contas de água
e luz, patamares mais altos desde o início do mandato de Lula. O preço dos
alimentos tem dinâmica própria, influenciado por oferta e demanda, clima,
safra, cotações internacionais. Não existe bala de prata para derrubá-lo.
Inexiste saída sustentável fora do arcabouço fiscal.
Quem mais resiste ao corte de gastos na Esplanada, porém, é
o Palácio do Planalto. Melhor dizendo, o próprio Lula, o pai da picanha para os
pobres.
Nenhum comentário:
Postar um comentário