Autoridades do governo vão avaliar, dia após dia, cada
medida administrativa e discursos do presidente Donald Trump
Sem precipitações retóricas em público, autoridades do
governo vão avaliar, dia após dia, cada medida administrativa e discursos do
presidente Donald Trump antes de se arriscarem a vaticinar o destino da
bicentenária relação bilateral entre Brasil e Estados Unidos. Nos bastidores,
contudo, alguns pontos de atenção já estão sobre a mesa.
Os laços são históricos. Cerca de 200 anos atrás, o
diplomata José Silvestre Rebello entregava suas cartas credenciais ao
presidente James Monroe em Washington e se tornava formalmente o primeiro
encarregado de negócios do Brasil nos EUA. Como consequência desse ato, na
prática o governo americano reconhecia a independência do Brasil. O episódio é
visto como uma das primeiras vitórias da diplomacia nacional.
Os EUA consolidaram-se, dessa forma, na posição de aliado
estratégico. Em 1916, ultrapassaram a Europa como principal parceiro comercial
do Brasil, ocupando o lugar por quase cem anos. Perderam o posto em 2009 para a
China.
Está justamente aí um dos motivos da irritação observada
atualmente em Washington.
Em recentes interações na capital
americana, autoridades brasileiras captaram duas grandes preocupações de seus
interlocutores: imigração e a influência da China na região. Até hoje eles têm
dificuldade de digerir a notícia de que os chineses inauguraram, no fim do ano
passado, um gigantesco complexo portuário no Peru. O empreendimento é
considerado um passo importante na expansão da presença chinesa na América
Latina. Já o Brasil mantém uma estratégia pendular, com a qual evita se alinhar
formalmente a chineses ou americanos. Mas está, sim, de olho no tom considerado
imperialista adotado pela nova administração Trump.
O novo secretário de Estado, Marco Rubio, por exemplo, foi
assertivo quando apresentou-se à Comissão de Relações Exteriores do Senado em
audiência para a sua confirmação no cargo. “Cada dólar que gastamos, cada
programa que financiamos e cada política que seguimos deve ser justificado com
a resposta a três perguntas simples: Isso torna a América mais segura? Isso
torna a América mais forte? Isso torna a América mais próspera?”, declarou, ao
detalhar a direção dada por Trump para a condução da política externa. “Em
nosso próprio hemisfério, déspotas e narco-terroristas aproveitam-se de
fronteiras abertas para promover imigração em massa, traficar mulheres e
crianças, e inundar nossas comunidades com fentanil e criminosos violentos”,
acrescentou.
Na segunda-feira, entre promessas de elevar tarifas
comerciais, Trump disse a jornalistas que Brasil e América Latina precisam mais
dos EUA do que o inverso. E em outro momento da entrevista, voltou a ameaçar os
países que integram o Brics. Foi um repeteco do que publicou nas redes sociais
em novembro, quando escreveu que iria impor tarifas de 100% contra todos os
produtos do bloco caso o grupo atue para diminuir a importância do dólar no
sistema internacional, seja pela criação de uma moeda nova ou pelo fortalecimento
de um câmbio já existente.
É preciso ter no radar que neste ano o Brics é presidido
temporariamente pelo Brasil. Está colocado o desafio para que se acerte o tom
durante os trabalhos, afastando assim a percepção de atores nos EUA e na Europa
de que este se tornou um grupo antiocidental controlado por China e Rússia.
Quanto aos instrumentos para as transações comerciais
intrabloco, a mensagem de Brasília é que o uso de moeda local é mais uma opção
que os Estados podem oferecer aos agentes privados locais. Porém, cabe a cada
empresa decidir como prefere operar. Além disso, acrescenta-se, esse tipo de
iniciativa demanda um longo processo de desenvolvimento de instrumentos
financeiros comuns. Não é algo para o curto prazo.
Na visão de interlocutores do governo, seria preciso também
uma autocrítica por parte dos americanos para que se esclareça os motivos da
crescente presença da China na região. Os chineses jogam com uma estratégia
conhecida, argumentam. Uma virada só seria possível com mais cooperação,
investimentos e comércio. Não o contrário.
Nesse contexto, reiteradas declarações de guerra tarifária
por parte de Trump são vistas como um sinal da “lei da selva” que tem
prevalecido em um sistema internacional falido. Após o desmonte dos mecanismos
de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC), a
percepção é que o mandatário tenta, na verdade, obter concessões de outros
países pela força.
Em público, contudo, o mais provável é que integrantes do
governo relembrem da história de José Silvestre Rebello e outros momentos
positivos de aproximação política e comercial entre os dois países. Há
registros, por exemplo, da assinatura do acordo comercial que no século 19
garantiu acesso para café e açúcar em condições favorecidas ao mercado
americano, com a contrapartida da redução das tarifas brasileiras aplicadas a
manufaturas e farinhas dos EUA.
Mas o acordo não durou muito devido à chamada “tarifa
McKinley”, concebida por um congressista republicano protecionista chamado
William McKinley que anos depois se tornaria presidente dos EUA. Em seu
discurso de posse na segunda-feira, Trump falou com grande admiração de
McKinley. Não é um bom prenúncio.
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