sábado, 18 de janeiro de 2025

UM DISCURSO PARA HISTÓRIA

André Gustavo Stumpf, Correio Braziliense

Os tempos atuais cumpriram a profecia de Ulysses Guimarães. Ele previu que o próximo Congresso será sempre pior que o atual

O governo do presidente Lula não deu a menor importância ao 15 de janeiro, quando, 40 anos atrás, o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves para Presidência da República. Foi o último momento do governo militar. A partir daí vieram sucessivas modificações constitucionais, que terminaram por fazer nascer um novo país, no espaço onde antes havia a tristeza da ditadura e da ordem unida dos militares. Quem hoje propugna pelo retorno do Ato Institucional nº 5 e de todas as suas consequências deve fazer uma visita ao passado para perceber como era a vida do brasileiro sem direito à proteção do habeas corpus, sem liberdade e sem eleição. Qualquer um podia ser preso sem ordem judicial.

O silêncio do governo federal tem razão de ser. Durante a Constituinte, o líder do PT chamava-se Luiz Inácio da Silva. O partido tinha oito deputados federais. Três deles votaram a favor de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Foram expulsos da legenda por descumprir a orientação partidária. O sectarismo do partido trabalhista se manifestou tempos depois com relação ao Plano Real. O partido também votou contra. Perdeu nas duas ocasiões porque o avanço foi notável. Mas o PT não faz autocrítica, nem permite que o tempo reveja suas posições. O 15 de janeiro passou sem maiores comemorações. Ninguém subiu em uma tribuna para lembrar o notável discurso de Tancredo Neves naquele dia.

Em 37 minutos, Tancredo Neves agradeceu  "ao valente e fiel PMDB sob o comando do deputado Ulysses Guimarães" falou do restabelecimento das liberdades democráticas, da nova Constituição que deveria ser moderna e adequada aos novos tempos, disse ter vindo em nome da conciliação, naquela que foi a última eleição indireta realizada no Brasil. E no final, apoteótico, lembrou Tiradentes, "o herói enlouquecido de esperança que disse ser possível fazer deste país uma grande nação. É o que pretendo fazer". O presidente teve oportunidade de, em público, agradecer os esforços de Marco Maciel, Aureliano Chaves, José Sarney e até do presidente João Figueiredo que assinou a anistia e permitiu a reorganização dos partidos políticos.

Os tempos atuais cumpriram a profecia de Ulysses Guimarães. Ele previu que o próximo Congresso será sempre pior que o atual. Os tempos atuais dão razão ao deputado que presidiu a Constituinte, além do "valente e fiel PMDB". O Brasil passou por diversos momentos críticos desde a vitória de Tancredo Neves. Os partidos políticos antes se recolhiam sob o manto do MDB. Depois da redemocratização, cada um buscou seu próprio caminho. Multiplicaram-se as legendas partidárias e a governabilidade ficou extremamente difícil. 

O texto básico da Constituinte chegou, ao final do debate, na Comissão de Sistematização, como um sistema parlamentarista. O presidente Sarney iria perder um ano de mandato. Foi quando surgiu o grupo chamado Centrão, que impôs o acordo criando o sistema presidencialista, com mandato de 5 anos para o presidente Sarney e o fim do decreto-lei, que se transformou em medida provisória.

Desde então, o Brasil jamais conseguiu ter um sistema político razoavelmente organizado. A cada eleição, deputados se organizam para modificar as normas do pleito. E, depois da adoção do financiamento oficial, as verbas passaram a se contar aos bilhões. A prometida reforma para criar o voto distrital ficou esquecida em alguma gaveta do Congresso. O poder do presidente foi drasticamente reduzido por incapacidade do ex-presidente Bolsonaro, que entregou ao Congresso o controle sobre as verbas governamentais. Criou-se um parlamentarismo sem partidos políticos fortes. Trata-se de um sistema de ocasião regido por casuísmos. E o pior: o atual presidente foi eleito por um grupo minoritário no Congresso que não consegue impor seus objetivos. Não há a racionalidade presidencialista, nem a funcionalidade do parlamentarismo.

A nova democracia brasileira começou naquele dia 15 de janeiro de 1985. O erro do PT não tira o lustre do partido que conseguiu conduzir o país por quatro mandatos presidenciais. Outros dois foram para o PSDB, costela do PMDB, que, lamentavelmente, perdeu seus ideais nos últimos anos. Caminha para a dissolução. A geração que viveu a Constituinte, seus antecedentes e suas consequências, está cada vez mais longe da politica e de Brasília. Lula é o último deles ainda na ativa. Ele conhece toda esta história, seus personagens, seus objetivos, seus problemas e suas derrotas. Seu governo, contudo, não tem objetivos nítidos, não definiu metas e se contenta em anunciar programas aleatórios, segundo as possibilidades de negociar com o Congresso. Seria oportuno realizar uma reforma partidária corajosa e profunda, que encerraria a transição e de acordo com Tancredo Neves poderia fazer deste país uma grande nação.

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