Os tempos atuais cumpriram a profecia de Ulysses
Guimarães. Ele previu que o próximo Congresso será sempre pior que o atual
O governo do presidente Lula não deu a menor importância ao
15 de janeiro, quando, 40 anos atrás, o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves
para Presidência da República. Foi o último momento do governo militar. A
partir daí vieram sucessivas modificações constitucionais, que terminaram por
fazer nascer um novo país, no espaço onde antes havia a tristeza da ditadura e
da ordem unida dos militares. Quem hoje propugna pelo retorno do Ato
Institucional nº 5 e de todas as suas consequências deve fazer uma visita ao
passado para perceber como era a vida do brasileiro sem direito à proteção do
habeas corpus, sem liberdade e sem eleição. Qualquer um podia ser preso sem
ordem judicial.
O silêncio do governo federal tem razão de ser. Durante a
Constituinte, o líder do PT chamava-se Luiz Inácio da Silva. O partido tinha
oito deputados federais. Três deles votaram a favor de Tancredo Neves no
Colégio Eleitoral. Foram expulsos da legenda por descumprir a orientação
partidária. O sectarismo do partido trabalhista se manifestou tempos depois com
relação ao Plano Real. O partido também votou contra. Perdeu nas duas ocasiões
porque o avanço foi notável. Mas o PT não faz autocrítica, nem permite que o
tempo reveja suas posições. O 15 de janeiro passou sem maiores comemorações.
Ninguém subiu em uma tribuna para lembrar o notável discurso de Tancredo Neves
naquele dia.
Em 37 minutos, Tancredo Neves
agradeceu "ao valente e fiel PMDB sob o comando do deputado Ulysses
Guimarães" falou do restabelecimento das liberdades democráticas, da nova
Constituição que deveria ser moderna e adequada aos novos tempos, disse ter
vindo em nome da conciliação, naquela que foi a última eleição indireta
realizada no Brasil. E no final, apoteótico, lembrou Tiradentes, "o herói
enlouquecido de esperança que disse ser possível fazer deste país uma grande
nação. É o que pretendo fazer". O presidente teve oportunidade de, em
público, agradecer os esforços de Marco Maciel, Aureliano Chaves, José Sarney e
até do presidente João Figueiredo que assinou a anistia e permitiu a
reorganização dos partidos políticos.
Os tempos atuais cumpriram a profecia de Ulysses Guimarães.
Ele previu que o próximo Congresso será sempre pior que o atual. Os tempos
atuais dão razão ao deputado que presidiu a Constituinte, além do "valente
e fiel PMDB". O Brasil passou por diversos momentos críticos desde a
vitória de Tancredo Neves. Os partidos políticos antes se recolhiam sob o manto
do MDB. Depois da redemocratização, cada um buscou seu próprio caminho.
Multiplicaram-se as legendas partidárias e a governabilidade ficou extremamente
difícil.
O texto básico da Constituinte chegou, ao final do debate,
na Comissão de Sistematização, como um sistema parlamentarista. O presidente
Sarney iria perder um ano de mandato. Foi quando surgiu o grupo chamado
Centrão, que impôs o acordo criando o sistema presidencialista, com mandato de
5 anos para o presidente Sarney e o fim do decreto-lei, que se transformou em
medida provisória.
Desde então, o Brasil jamais conseguiu ter um sistema
político razoavelmente organizado. A cada eleição, deputados se organizam para
modificar as normas do pleito. E, depois da adoção do financiamento oficial, as
verbas passaram a se contar aos bilhões. A prometida reforma para criar o voto
distrital ficou esquecida em alguma gaveta do Congresso. O poder do presidente
foi drasticamente reduzido por incapacidade do ex-presidente Bolsonaro, que
entregou ao Congresso o controle sobre as verbas governamentais. Criou-se um
parlamentarismo sem partidos políticos fortes. Trata-se de um sistema de
ocasião regido por casuísmos. E o pior: o atual presidente foi eleito por um
grupo minoritário no Congresso que não consegue impor seus objetivos. Não há a
racionalidade presidencialista, nem a funcionalidade do parlamentarismo.
A nova democracia brasileira começou naquele dia 15 de
janeiro de 1985. O erro do PT não tira o lustre do partido que conseguiu
conduzir o país por quatro mandatos presidenciais. Outros dois foram para o
PSDB, costela do PMDB, que, lamentavelmente, perdeu seus ideais nos últimos
anos. Caminha para a dissolução. A geração que viveu a Constituinte, seus
antecedentes e suas consequências, está cada vez mais longe da politica e de
Brasília. Lula é o último deles ainda na ativa. Ele conhece toda esta história,
seus personagens, seus objetivos, seus problemas e suas derrotas. Seu governo,
contudo, não tem objetivos nítidos, não definiu metas e se contenta em anunciar
programas aleatórios, segundo as possibilidades de negociar com o Congresso.
Seria oportuno realizar uma reforma partidária corajosa e profunda, que
encerraria a transição e de acordo com Tancredo Neves poderia fazer deste país
uma grande nação.
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