Brasil precisa gerar outros méritos para se posicionar
bem na nova ordem global que se desenha
Mais economistas dão ênfase à centralidade da geopolítica e
impactos da fragmentação, em meio a inovação tecnológica, evolução demográfica
e mudança climática.
Marcos Troyjo, ex-presidente do banco do Brics e, após um
tempo como acadêmico-visitante em Oxford, é agora fellow do Insead, escola de
negócios na França, e constata nova ordem que reorienta os investimentos
globalmente.
Ele nota que até o advento dos trabalhos de John Maynard
Keynes não havia distinção entre micro e macroeconomia. Só a partir de 1936,
com a complexidade que ele estava observando e a necessidade de respostas
sofisticadas, é que houve uma segmentação que gerou diferentes escolas de
pensamento.
Para Troyjo, algo semelhante está acontecendo agora com a
geopolítica. O fator geopolítico tornou-se -se de tal forma crucial para as
decisões econômicas que cabe falar em eventos “microgeopolíticos” (de enorme
impacto, mas ocorrendo em tempos mais curtos), e eventos “macrogeopolíticos”
(os que transcorrem num arco cronológico mais amplo).
Neste início de 2025, o maior evento
microgeopolítico é o que ele chama de “trumpulência” (jogo de palavras usando
Trump, opulência e turbulência). E acha que muitas disrupções geradas por essa
“trumpulência’’ não serão necessariamente ruins para o Brasil.
Troyjo conversou nos últimos seis meses com vários
personagens que terão voz importante no governo Trump que assume na
segunda-feira (20). Para eles, no seu primeiro governo (2017-2021), Trump fez
apenas parte da inflexão desejada com a alta de tarifas, por exemplo. E não
teria adotado todos os mecanismos necessários para permitir a
reindustrialização dos EUA. Agora, terá maioria no Congresso. Pode-se esperar
no primeiro ano de Trump 2.0 tanto uma alta enorme de tarifas como um choque
brutal de desburocratização, desregulação e corte de impostos. Conceitos como
“nearshoring” e “friendshoring” podem ser atropelados pela gestão Trump. A
maior economia do mundo fará de tudo para atrair empresas. Uma companhia que
vai sair da China não necessariamente precisará ir para outro país, digamos o
México, mas sim diretamente para os EUA com tributos mais leves.
Enquanto isso, a carga tributária como porcentual do PIB no
Brasil já é maior que a dos EUA e os gastos do governo continuam subindo,
observa o ex-presidente do banco do Brics.
Os que apostavam no declínio dos EUA estão tendo uma
decepção, diz ele. O Mississippi, Estado mais pobre dos EUA, tem hoje PIB per
capita maior do que de França, Reino Unido ou Japão. Entre as dez maiores
empresas com valor de mercado no mundo, há 20 anos quatro eram europeias,
quatro americanas e duas japonesas. Hoje, nove são americanas e uma é saudita.
A diferença de PIB entre os EUA (US$ 29 trilhões) e a China (US$ 18,5
trilhões), que estava diminuindo, voltou a se alargar.
Nesse cenário, veremos tecnologia extremamente sofisticadas
de um lado e necessidade básica de geração de energia de outro. A inteligência
artificial, evento mais transformador da humanidade daqui para a frente,
precisa de muita energia, e essa é uma das razões pelas quais centros de dados
intensivos em IA têm-se instalado em cidades como Houston e Abu Dhabi. Isso
vale também para as criptomoedas, que já consomem mais energia que o Paquistão,
país de 230 milhões de habitantes Se as criptomoedas fossem um país, seriam o
25º. maior consumidor de energia do mundo.
Além disso, nota que todo mundo está preocupado com a taxa
de fecundidade, caindo na Europa, na China, no Japão e na América Latina. E
aumentando em nove países, o que vai exigir mais alimentos: um é desenvolvido,
os EUA; cinco estão na África (Nigéria, Congo, Tanzânia, Uganda e Etiópia) e
três na Ásia (Índia, Indonésia e Paquistão).
Troyjo chega assim ao fenômeno macrogeopolítico, que
acontece num intervalo mais longo de tempo. Cruza PIB com o Índice de
Desenvolvimento Humano e faz uma segmentação de países em dois grupos: o U7 (do
inglês “up”, em ascensão), e o D7 (“down”, em declínio relativo de sua
importância global). Alguns países mantêm a velocidade inercial, mas não
acompanham outros que estão subindo mais rapidamente.
Ao seu ver, nas próximas duas décadas estarão com certeza no
U7 os EUA (graças a combinação entre tamanho relativo e inovação), Índia
(crescendo 6% ao ano), China (avançando em novas tecnologias, mas com desafios
estruturais importantes), e Arábia Saudita (rico em petróleo e apostando em
diversificação tecnológica da economia).
No D7, espécie de segunda liga, estariam o Japão (impacto
demográfico muito pesado e dificuldade de inovações incrementais), Rússia (em
derrocada estrutural), além de França e Reino Unido (perdem dinamismo).
Na zona intermediária, estariam a Alemanha, em ritmo de
queda com dificuldade de motivar as pessoas no futuro e problemas estruturais
sérios; a Itália tentando subir, tendo ultrapassado a França como segunda
potência industrial da Europa, além de Canadá, Indonésia, México e Brasil, sem
definição clara ainda.
Nota que nos últimos 20 anos o mundo ficou menor e os
destinos de Investimento Externo Direto (IEDs) diminuíram. A estratégia de
diversificação (colocar ovos em diferentes cestas) por gestores de ativos ou
redes de produção também diminuiu. Isso aumentaria a atratividade relativa do
Brasil. Mas Troyjo acha que o Brasil acaba aproveitando pouco os ventos
favoráveis na cena internacional. E precisa gerar outros méritos para se
posicionar bem na nova ordem global que se desenha.
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