O carnaval brasileiro tem origem e cultura próprias. Sua
certidão de nascimento é a Carta de Pero Vaz de Caminha, em 1500, quando
descreve o descobrimento do Brasil
O carnaval passa ao largo do mercado, pois não depende dele.
Se os bolsos ficarem vazios, é a Bolsa que fica ameaçada. Carnaval não
influencia a taxa de juros, não a baixa nem a sobe. Assim, nada de
preocupações; que seja a alegria.
As queixas procedentes vêm dos saudosistas — e eu talvez
seja um deles —, todas na direção de que o carnaval se modernizou, perdeu a
autenticidade do passado. Acabaram os pierrôs apaixonados e as colombinas para
surgir o biquíni e o peladão. Maravilha das maravilhas! Isso é o progresso. O
mesmo que tirou de moda a ceroula, o cabeção, o espartilho e colocou as
liberdades das musas do carnaval: Isabelle Nogueira, Flávia Alessandra, Luciana
Gimenez, Alane Dias…
Qual é a origem do carnaval? Uns, querendo colocar
sabedoria, dizem que sua origem está nas saturnais romanas, festas bem
moderninhas em que se celebrava a entrada da primavera de maneira bem
exuberante. Falam que ele veio de um tal carro-naval, que nada mais era do que
um navio de rodas, cheio de marinheiros que cantavam canções obscenas nas ruas
da Grécia antiga nas mudanças de estação.
Melhor imaginação tiveram aqueles que dizem
ser essas festas e alegrias necessárias à preparação do corpo para o jejum da
quaresma. Os italianos chamavam esse tempo de "Carne! Vale!",
"Carne, vá em frente, caia na gandaia".
Outros exegetas colocam nas costas da igreja a
responsabilidade da palavra carnaval e a atribuem ao santo papa Gregório, o
Grande, que chamou o domingo anterior à quaresma de "dominica ad carnes
levandas", isto é, o domingo de sublimação da carne. O nome pegou por
portas e travessas para carnaval. Relembrava uma velha definição dos três dias
antes da quaresma, em que monges medievais davam-se a muitas liberdades, comiam
e bebiam etc. e tal para resistir às tentações no tempo quaresmal. E alegavam
que assim faziam imitando os camelos antes de atravessarem o deserto.
O carnaval na Espanha só termina, como na Bahia, no domingo
depois da quarta-feira de cinzas. Perdão! Na Bahia não termina nunca. Em
Veneza, começa no Dia de Reis, e lá vai aquela coisa chata de gôndolas e
bandolins.
Lembro essas coisas para dizer que o carnaval não é nada
disso. Ele nasceu no Brasil, sem primavera, nem saturnais, nem o papa Gregório.
O carnaval brasileiro tem origem e cultura próprias. Sua certidão de nascimento
é a Carta de Pero Vaz de Caminha, em 1500, quando descreve o descobrimento do
Brasil. A chegada logo se transformou no primeiro carnaval, os índios na praia,
de "carapucinhas vermelhas", "contas amarelas", pintados e
de maracás, os portugueses batendo tambor, todos bebendo, dançando e caindo numa
bruta gandaia. Temos até o nome do primeiro folião, Diogo Dias, que tocava
gaita, "homem gracioso e de prazer", que comandava a folia. A
diferença é que era Páscoa, mas, na Bahia, todo tempo é bom de carnaval.
A globeleza, que se pensa ser criação de hoje, da Globo, já
estava lá. E não era uma só, eram muitas. Diz Caminha que as índias
participavam da festa e eram "bem moças e bem gentis, com cabelos mui
pretos e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas de cabeleiras
que, de muito as olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha".
Enquanto isso, nas nossas rádios e tevês, comandantes
encarregados do policiamento já dão instruções ao povo: "Não beba. Se
beber, não dirija. Leve só a roupa do corpo". E, finalmente, "Não
perca seu bloco e use a camisinha".
Bom carnaval!


Nenhum comentário:
Postar um comentário