sábado, 1 de fevereiro de 2025

COMBATE AO COMÉRCIO ILEGAL DE ARTE SACRA EXIGE MAIS DAS AUTORIDADES

Editorial O Globo

Iphan faz bem em atualizar cadastro de peças furtadas, mas só isso não será suficiente para deter criminosos

Há inúmeros relatos de furto de objetos de arte sacra. Para facilitar a recuperação das peças, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) está atualizando o banco de Bens Culturais Procurados (BCP) com informações, imagens e descrições dos objetos furtados. Há 20 anos não havia atualização do cadastro. O Iphan precisará agora mantê-lo sempre em dia.

Há no BCP 1.800 peças cadastradas. Supõe-se que sejam apenas uma pequena parcela do que se extraviou. Desviadas principalmente no Rio, em Minas, Bahia e Pernambuco, as obras precisam ser inventariadas por institutos públicos, colecionadores, museus e igrejas. Não se trata de tarefa fácil. Ainda são procurados objetos tombados, vendidos em inúmeros leilões on-line que, apesar da obrigação legal, não foram informados ao Iphan. Há ao redor de 3 mil vendas por ano no Rio, e apenas entre 5% e 10% da arte sacra tombada está inventariada, pela estimativa do museólogo Rafael Azevedo, da superintendência do Iphan no Rio. Por isso o instituto e a arquidiocese do Rio têm procurado fazer novos inventários.

Em outubro de 2023, o colecionador Claudio Castro encontrou em cinco peças de prata, anunciadas em leilão no Rio, um brasão com as iniciais AM (auspice Maria, sob a proteção de Maria) e uma coroa real, símbolo do acervo da Igreja Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, onde Castro havia sido nomeado provedor. Um par de tocheiros e três peças de prata com orações inscritas eram parte do acervo de 300 itens tombados que haviam desaparecido da igreja, construída em 1750 no centro histórico do Rio. Depois que o Iphan e a Polícia Federal foram chamados, o conjunto voltou para a igreja. No mesmo leilão, Castro encontrou um par de tocheiros da Catedral de Belém e três peças da Ordem Terceira do Carmo, do Rio. Estas estavam nos registros do BCP. “O mercado de arte precisa tomar mais cuidado”, diz ele.

O desvio das peças sacras deve ter ocorrido entre anos 1970 e 1990, pois ainda há fotos, feitas no período, em que os objetos aparecem. Foi a partir de um restauro feito em 1996 que centenas de peças desapareceram, por falta de controle dos responsáveis pela igreja. Não basta, portanto, apenas modernizar o banco de dados de peças extraviadas.

O mercado de arte sacra foi abastecido nos anos 1960 graças à interpretação equivocada de uma determinação do Vaticano para evitar a repetição de imagens de santos nas missas, distribuindo as obras entre casas paroquiais e sacristias. Isso levou vários padres a vender peças. Portanto nem toda obra tem origem ilegal. Há também peças com tombamento apenas estadual. Nesses casos, a fiscalização é driblada com a venda noutros estados. Além da atenção redobrada no comércio de arte sacra, é preciso haver contato mais próximo com as autoridades policiais para proteger um acervo valioso do patrimônio histórico e cultural brasileiro.

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