Na semana passada, fiquei mais velho ainda e pensei em
dedicar um tempo aos meus livros. Eles andam dispersos e desafiam a paciência
doméstica.
Tenho mais livros do que posso ler. Comprei o que pude,
principalmente na Livraria Leonardo da Vinci. Era uma livraria francesa, mas
Dona Vanna, quando viajava, trazia muita coisa em inglês. Separava em pequenos
pacotes para mim. Carlos Drummond de Andrade e o romancista maranhense Josué
Montello também tinham seus pacotes. O que me dava uma sensação de importância,
como se os pacotes abrissem, por si, o caminho da importância cultural.
Há muita coisa por descobrir. Pensei em mergulhar em
trilogias, como a de Paul Ricoeur, “Tempo e narrativa”, ou mesmo “O princípio
esperança”, de Ernst Bloch. Medrosamente, apenas molhei o pé e me afastei da
água.
Poderia me perder, se me dedicasse apenas aos livros.
Labirinto por labirinto, o melhor é cuidar da realidade nacional, na era da
incerteza.
Caiu a popularidade de Lula,
e isso acionou dezenas de gatilhos. O centro se animou, a direita quer se unir,
e espoucam as tentativas de explicar o declínio momentâneo do prestígio do
governo.
Lula está isolado, capturado dizem alguns. E surgem inúmeros
debates sobre quem o capturou e para quê. São várias correntes na Corte
preocupadas em definir espaço próximo ao presidente. Certamente esse espaço só
surgirá se os atuais captores forem afastados.
A imprensa faz coro ao debate. Lula está almoçando e
jantando com Janja. Dedica-se a uma vida doméstica. Como se isso fosse mesmo a
grande preocupação nacional, com quem almoça o presidente, se toma uma sopinha
no jantar. A embriaguez cortesã impede que vejam a realidade, como todos nós na
planície. Não importa com quem Lula almoça. O problema na sociedade é saber que
ele faz gastos recordes e secretos no cartão presidencial.
Enquanto muitos puxam os cabelos para saber quem afasta o
presidente de uma agenda com políticos, a realidade dos memes é a feroz crítica
aos gastos presidenciais. Mencionar isso parece sacrilégio, pois parece sugerir
que Lula e Janja são deslumbrados com alto padrão de vida. Coisa da direita. No
entanto os autores de memes da direita não os criariam se o presidente de
esquerda fosse o austero uruguaio Pepe Mujica. Não haveria espaço para uma
crítica dessa natureza.
Estamos no princípio do ano. Não creio que nada esteja
decidido. Lula conta com grande experiência eleitoral, mais prestígio que o
próprio governo e, além disso, tem a máquina nas mãos. Será difícil derrotá-lo.
Creio que a idade não será obstáculo, se prosseguir se exercitando, com bom
sono e boa alimentação. Seu discurso em Belém foi meio estranho. Falou que tem
comido ovos de pata e de ema, um ovo, segundo ele, do tamanho da cabeça das
pessoas na plateia.
Os jornalistas que mistificam o marketing devem ter alguma
explicação. Há alguma coisa nesse ovo de ema que aumentará seu prestígio. Mas
escapa à minha compreensão. Antes da posse, achava que Lula poderia se sair
melhor limitando-se a ler suas declarações. O improviso num país polarizado e
fortemente orientado pelas redes sociais traz inúmeros problemas. O improviso
foi parcialmente responsável pela queda. É uma escolha que demanda agilidade
mental e, sobretudo, sintonia com a época.
A falta de um projeto político mais claro é uma lacuna de
peso. Mas a mitificação do líder — algo tão forte na esquerda quanto na direita
— impede que se digam a ele coisas claras: moderação no padrão de vida e
humildade para ler o que está escrito e pensado com antecedência. Isso não é
tudo. Mas pelo menos um pouco mais do que buscar os culpados que capturaram o
presidente.
Artigo publicado no jornal O Globo em 24 / 02 / 2025
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