Fiel à sua irrefreável índole golpista, Bolsonaro iniciou
uma campanha de deslegitimação da PGR e do Supremo, bastante reveladora da
fraqueza de sua defesa jurídica e de seu desespero
Na manhã do dia 28 de agosto de 2021, a pouco mais de um ano
do primeiro turno das eleições gerais de 2022, o então presidente Jair
Bolsonaro disse a uma plateia de evangélicos que só enxergava três opções de
futuro: “Estar preso, estar morto ou a vitória”, concluindo logo em seguida que
“a primeira alternativa não existe”.
Em todo o seu fulgor, ali se manifestava o espírito golpista
que sempre orientou a trajetória do mau militar que, para infortúnio deste
país, chegou à Presidência da República. Ao não admitir nem sequer como
possibilidade uma derrota eleitoral, cenário legítimo e aceitável por qualquer
político verdadeiramente democrata, Bolsonaro já prenunciava o iter
criminis – o “caminho do crime” – que estava disposto a percorrer para se
aferrar ao poder.
Pois o mesmo espírito golpista que animou Bolsonaro antes,
durante e depois de seu mandato presidencial segue inspirando a sua defesa
diante das gravíssimas acusações feitas contra ele pelo procurador-geral da
República, Paulo Gonet, no dia 18 passado. Como se sabe, Bolsonaro foi
denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por “liderar organização criminosa
armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe
de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da
União e deterioração de patrimônio tombado”, crimes cujas penas somam mais de
40 anos de prisão.
No dia seguinte ao oferecimento da denúncia formulada pela
PGR contra ele e outros 33 acusados, Bolsonaro escreveu em sua conta no X que
“o mundo está atento ao que se passa no Brasil”, o que, segundo o
ex-presidente, não passaria de um ardil: o velho “truque de acusar líderes da
oposição democrática de tramar golpes”. Noves fora essa risível associação de
um fã de ditadores e torturadores com uma oposição “democrática” ao governo do
presidente Lula da Silva, Bolsonaro insiste na deslegitimação das instituições
republicanas, particularmente da PGR e do STF, para se apresentar ao Brasil e
ao mundo como vítima, ora vejam, de uma suposta perseguição política.
Se o tal “truque” descrito por Bolsonaro “não é algo novo”,
como ele escreveu, tampouco o é a manjada tese da “perseguição política”,
enunciada por dez entre dez poderosos sempre que são apanhados em seus
malfeitos. Essa balela, obviamente, não para de pé. Afinal, Bolsonaro nunca
escondeu de ninguém seu desapreço pela democracia e seu profundo ressentimento
pela promulgação da Constituição de 1988, o marco jurídico que restabeleceu o
Estado Democrático de Direito no Brasil após a ditadura militar. Ademais, ao
longo do mandato, o ex-presidente produziu provas contra si mesmo aos
borbotões, não escondendo de ninguém que uma transição pacífica de poder, em
caso de derrota eleitoral, nunca esteve em seu radar.
Ao comparar seus reveses jurídico-penais no Brasil à
truculência de ditaduras como as da Venezuela, Cuba e Nicarágua, como fez em
postagem no X, Bolsonaro exala desespero, pois não é crível que ele desconheça
as evidentes diferenças entre o grau de liberdades democráticas que se tem aqui
ante as que são negadas aos cidadãos daqueles países. Ademais, a robustez da
peça acusatória assinada pelo procurador-geral, encadeando fatos e apresentando
provas da volição delitiva de Bolsonaro e dos que a ele teriam se associado na
trama golpista, deixa pouco espaço para o ex-presidente se defender além do
recurso às teorias da conspiração, tão caras ao bolsonarismo.
É perfeitamente compreensível, portanto, o lançamento dessa
campanha de desqualificação da instituição que acusa Bolsonaro e daquela que
virá a julgá-lo. A rigor, é o mesmo modus operandi da disseminação
das mentiras que Bolsonaro inventou desde o início de seu desditoso governo
contra o sistema eleitoral brasileiro.
Felizmente, em que pese a necessidade de reexame de
comportamentos ao qual alguns ministros do STF têm de se dedicar, o Brasil
dispõe de instituições sólidas e de um sistema de Justiça que já demonstrou ter
capacidade de resistir a mentiras e investidas autoritárias. Se Bolsonaro nada
teme, que desça do palanque da desinformação e se defenda nos autos.
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