domingo, 23 de fevereiro de 2025

SINAIS DOS TEMPOS

Merval Pereira, O Globo

À falta de nomes, cria-se uma disputa indireta entre Janja e Michele Bolsonaro

Duas mulheres são protagonistas da política brasileira hoje, e podem representar seus devidos grupos políticos nas próximas eleições, por mais que esse embate presumível represente o declínio final de nosso sistema político-partidário. Já previ aqui, com toques de ironia, que do jeito que a coisa vai a próxima eleição para presidente da República pode se dar entre Michele Bolsonaro, ex-primeira dama, e Janja da Silva, a atual, e volta e meia elas estão nos noticiários políticos.

Janja é a bola da vez da oposição, diz Lula, acrescentando que os palpites da primeira-dama o ajudam a governar. Tornou-se fato corriqueiro a queixa de aliados do presidente contra a primeira-dama, que estaria cerceando a atividade política de Lula em benefício de uma restrita agenda doméstica. Já há pelo menos um ponto favorável a Janja nessa metade de governo: foi dela que partiu a advertência de que não deveriam convocar os militares para uma ação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) naquele 8 de janeiro de 2023, sob o risco de os militares tomarem conta do Poder. Vê-se agora que era justamente esta a última cartada dos golpistas, criar um ambiente de revolta popular que fosse o gatilho para a ação militar. Janja demonstrou naquela ocasião um faro político afiado.

Provavelmente há muito de intriga palaciana e de ciúmes contra Janja, mas há também uma irrefreável vaidade quando se trata de alguém que não está acostumada a uma vida tão instagramável e se vê na possibilidade de fazer quase tudo, até sair na foto com o presidente dos Estados Unidos. A carta que o advogado Kakay escreveu criticando a atuação de Lula nessa primeira parte de seu governo tem um sujeito oculto que quase todos identificam como a primeira-dama.

É claro que, quando alguém novata na política como a primeira-dama Janja assume um papel de protagonista no mandato do marido, os ciúmes políticos afloram. Saíram os conselheiros históricos do PT da primeira geração, muitos alijados da vida pública por terem se envolvido em ações de corrupção, e entraram novos agentes que vêem seus espaços obstaculizados pela ação dessa mulher, que de militante política de segundo escalão passou a ser a principal conselheira presidencial. Ao mesmo tempo que cuida da saúde do presidente, lhe dá conforto e ajuda a aplacar a solidão do poder. Já tivemos esse tipo de política na América do Sul, com Evita e Isabelita, ambas mulheres do líder argentino Peron.

Já Michele Bolsonaro teve um papel muito mais relevante no governo de seu marido Jair do que se supunha. Hoje aparece em algumas pesquisas empatada tecnicamente com o presidente Lula, mas à frente das preferências. Já mostrou ser uma líder política mais desenvolta do que a própria Janja, que prefere trabalhar nos bastidores, mas já tem se atrevido a falas mais contundentes, como aquela em que mandou Elon Musk “se ferrar” antes mesmo de ele despontar como a figura de destaque do novo governo de Donald Trump.

À falta de nomes, cria-se uma disputa indireta entre as primeiras-damas dos dois. A primeira-dama Janja, virou figura nacional. Participa de reuniões ministeriais, sai em fotos oficiais de encontros presidenciais. Até a Águia da Portela ela revelou, um dos maiores segredos do Carnaval, tendo que apagar o tuíte após protestos dos sambistas. Confessou em entrevista ao “Fantástico” que suas inspirações são Evita Perón e Michelle Obama, duas primeiras-damas de ações distintas. A esdrúxula situação de aparecer entre Lula e Biden em foto na Casa Branca virou meme.

A ex, Michelle Bolsonaro, assumiu um papel político no PL, comparece a reuniões do partido, já tem missão de viajar pelo país com salário oficial. Sua popularidade entre o eleitorado evangélico é um trunfo. Bolsonaro já está enciumado. Sinais dos tempos.

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