Não há como restabelecer a sanidade econômica sem a
contenção da demanda. Nesse caso, a solução inclui, como ponto essencial, um
controle severo do gasto público federal
Empenhado em descobrir e redescobrir o óbvio, o governo
anunciou a intenção de investir na formação de estoques de alimentos,
essenciais para garantir alguma normalidade nos preços e assegurar o
abastecimento a mais de 200 milhões de consumidores. Assombrados durante meses
pela inflação da comida, esses brasileiros viram o presidente Lula e seus
ministros mobilizarem-se, finalmente, para cuidar da nova ameaça à popularidade
presidencial.
Seguida durante décadas, a política de estoques de segurança
foi amplamente relaxada nos últimos dez anos – e até abandonada, no caso de
alguns produtos. Entre 1987 e 2024, o estoque total de arroz disponível em
dezembro superou em 14 anos 1 milhão de toneladas. No mesmo período, o milho
estocado no fim de ano ultrapassou 1 milhão de toneladas em 22 ocasiões e, em
vários momentos, ficou acima de 2 milhões e até 3 milhões de toneladas.
Esses volumes, mantidos pelo governo e pelo
setor privado, diminuíram muito nos últimos anos. No caso do arroz, quase foram
zerados a partir de 2023. Quanto ao milho estocado, desde junho de 2018 ficou
sempre abaixo de 1 milhão de toneladas. Reservas de feijão, outro componente
tradicional da dieta brasileira, praticamente sumiram das estatísticas oficiais
a partir de 2017.
Medidas anunciadas pelo governo incluem corte de impostos
federais e facilitação de importações. Ainda seria necessário convencer os
governos estaduais a reduzir seus tributos. Essas providências talvez produzam
algum resultado, mas especialistas e empresários mostraram ceticismo em relação
a essas políticas. O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de milho
e de carnes. Parece pouco provável a obtenção de milho mais barato no mercado
internacional. Também a carne estrangeira, segundo as primeiras avaliações,
dificilmente chegará em condições favoráveis à maior parte dos consumidores. Já
se fala em subsídios federais, mas esse tipo de solução parece especialmente
complicado quando se pensa no estado precário das contas públicas.
O governo também tem prometido amplo apoio financeiro à
próxima safra de alimentos básicos. Mas produtos em desenvolvimento ou ainda em
plantio só chegarão ao consumidor depois da colheita e, em alguns casos, de
alguma elaboração. Tem-se falado em safra recorde, mas comida no prato é
assunto mais complicado. Alguns preços têm caído, revertendo o movimento
observado entre o final de 2024 e o começo deste ano. Essa acomodação, no
entanto, é independente dos planos e falatórios noticiados nos últimos dias.
Depois de meio mandato com expansão econômica, aumento de
emprego e elevação do consumo, o governo trombou, de forma provavelmente
inesperada nos gabinetes de Brasília, com uma explosão de preços dolorosa para
a maioria das famílias. Segundo especialistas em pesquisas de opinião, o surto
inflacionário pode ser uma das principais explicações para a piora da imagem
presidencial. Mas o salto dos preços nada contém de espantoso.
A aceleração do consumo sem um correspondente aumento da
oferta resultou, simplesmente e de forma previsível, no encarecimento de vários
itens de consumo. Talvez nenhum membro do governo tenha previsto esse efeito,
mas ninguém, a rigor, deveria descrever esse fato como surpreendente. O quadro
inclui, naturalmente, a gastança federal como um de seus componentes centrais,
talvez o mais importante.
Soluções conjunturais, como a liberação de importações e a
redução de impostos sobre um grupo de produtos, podem produzir algum efeito
imediato – algo a ser conferido –, mas de nenhum modo atingem o problema
básico. Não há como restabelecer a sanidade econômica sem a contenção da
demanda. Nesse caso, a solução inclui, como ponto essencial, um controle severo
do gasto público federal. Em outras palavras, o tratamento envolve,
necessariamente, o abandono da gastança promovida pelo presidente Luiz Inácio Lula
da Silva.
Não parece haver, nesse quadro, espaço para um afrouxamento
da política monetária. Haverá uma enorme surpresa se o Banco Central (BC)
apressar o rebaixamento dos juros. Aperto monetário, no Brasil, tem sido
normalmente associado pelo próprio BC à insegurança em relação às contas do
governo. A manutenção de juros elevados também deverá complicar duplamente a
administração federal. Se dificultar o crescimento econômico, prejudicará a
arrecadação de impostos. Além disso, juros mais altos acabarão encarecendo a
dívida pública e aumentando as pressões sobre o poder central.
Se for capaz de assumir a necessária disciplina, o governo
tornará possível um crescimento mais seguro e mais prolongado, embora, talvez,
em ritmo mais moderado. Em troca dessa moderação, ganhará a segurança de menor
risco inflacionário e de maior previsibilidade, condição relevante para a
expansão contínua do investimento produtivo. Quanto aos cidadãos, ficarão menos
sujeitos ao desafio diário dos preços instáveis e imprevisíveis e também do
crédito inseguro e sempre duvidoso. Falta verificar se alguém convencerá o
presidente dessas vantagens.
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