Brasil vai subir juros, EUA devem manter: decisões dos
bancos centrais refletem tensão global sob efeito da política do presidente
norte-americano
Nestes primeiros quatro meses do ano, o ambiente na economia
já mudou várias vezes. E é com a sensação de absoluta incerteza que os dois
bancos centrais, do Brasil e dos Estados Unidos, iniciam hoje a reunião de dois
dias para definir a taxa de juros. Provavelmente, a decisão será elevar meio
ponto percentual aqui, e manter os juros estáveis lá, apesar da pressão de
Donald Trump, que quer novos cortes. O mais importante será observar os recados
que estarão nos comunicados. Quando vão parar de subir aqui, quando voltarão a
cair na economia americana?
Metade do mercado acha que no Brasil para por aí, no
estratosférico patamar de 14,75%, uma taxa maior do que quando o país
enfrentava, dez anos atrás, uma inflação em torno de dois dígitos. A outra
metade acha que haverá em junho uma nova alta para chegar em 15% ou 15,25%.
— De janeiro a abril, houve uma
instabilidade global gigante, econômica e financeira. No começo, o mercado
achava que Trump não ia fazer nada, era só discurso. Isso mudou em fevereiro,
quando o Fed começou a falar em PIB negativo.
Em março, teve o “liberation day” e o pessoal começou a dizer: ‘Acho que esse
cara está falando sério’. Em abril, foi o caos porque as tarifas foram muito
maiores do que se imaginava. Foram quatro meses de instabilidade — descreve
Roberto Padovani, economista-chefe do BV.
Na reunião de abril do FMI, quando os bancos se encontraram,
os economistas passaram a dizer que a política econômica de Trump não deu certo
e isto está levando o capital a fugir dos Estados Unidos.
— Os Estados Unidos estão sendo vistos como um país
institucionalmente frágil e deixaram de ser aquele porto seguro. E o capital
vai sair para onde? A China está no meio da guerra comercial, a Rússia é um
país de alto risco. Turquia e África do Sul, países desorganizados. O México
pode sofrer mais o impacto da guerra comercial, há muitas dúvidas sobre o
futuro da Argentina, e o ouro já está caro demais. O fato é que sobraram a
Índia e o Brasil e, nas últimas duas semanas, vimos uma euforia em relação ao
Brasil — diz Padovani.
A dívida pública brasileira está alta, mas a verdade é que
ela subiu no mundo inteiro e a Europa está elevando gastos para investir em
segurança. No Brasil, o grande problema é no nível de 14,75%, que é
provavelmente o patamar que vai prevalecer a partir de amanhã, as pequenas
empresas terão dificuldades de pagar suas dívidas, o endividamento das famílias
vai aumentar, o custo da dívida pública fica alto demais.
O dólar subiu ontem, mas tem caído em parte por esse
movimento de entrada de investidores estrangeiros. A queda pode ajudar a baixar
a inflação mais rapidamente do que se esperava. Mas a inflação de serviços
permanece alta, em torno de 7%. O índice acumulado em 12 meses está acelerando.
Foi de 4,56% em janeiro, para 5,06% em fevereiro e para 5,48% em março. O IPCA
de abril será divulgado pelo IBGE na sexta-feira e deve ficar em torno de
0,41%, levando a inflação de 12 meses para 5,51%.
Os relatórios dos bancos que projetam que haverá outra alta
em junho, de pelo menos 0,25 ponto percentual, lembram que diretores do BC têm
dito que a economia não está desacelerando, apesar do choque de juros. Alguns
bancos estão até revendo ligeiramente para cima a previsão de crescimento do
ano.
Mas, então, se o capital está correndo atrás de boa
rentabilidade, o Brasil oferece isso e tem atraído investidores, pode-se dizer
que está tudo bem? Não.
— Estou preocupado porque o cenário é muito complicado. A
economia americana está indo para a recessão, com um cara que está mudando a
leitura institucional dos Estados Unidos e está invertendo a lógica do comércio
global. E isso não é bom para os emergentes — diz Padovani.
Os bancos centrais estão com as armas da política monetária
querendo evitar que a inflação permaneça acima da meta. Mas o que está
acontecendo em volta é mais desorganizador. E contra isso há pouco a fazer. A
conta começa a chegar para Trump. A
Apple vai ter um custo extra de quase US$ 1 bilhão com as novas tarifas, as
vendas do McDonald´s despencaram no mundo, o euro subiu 8,4% frente ao
dólar, as bolsas americanas perderam US$ 5 trilhões. A realidade bate à porta.
O problema é que Donald Trump é impermeável aos fatos e não reconhece seus
erros.


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