quinta-feira, 15 de maio de 2025

SÃO LAMENTÁVEIS MANOBRAS PARA LIVRAR DEPUTADOS

Editorial O Globo

Depois de Ramagem, plano é sustar outras ações no STF — mas Corte cumpre dever ao manter julgamentos

Causa consternação o comportamento dos deputados que ameaçam retaliar o Supremo Tribunal Federal (STF) depois de a Corte ter julgado inconstitucional a manobra para interromper uma ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ). Na terça-feira, a Câmara apresentou recurso ao STF contra a decisão. Entre os planos desses deputados está a possibilidade de voltar à carga com medida semelhante nos casos dos deputados Carla Zambelli (PL-SP) e Juscelino Filho (União-MA).

Ramagem é acusado de tentativa de golpe de Estado num processo em que também é réu o ex-presidente Jair Bolsonaro. Por 315 votos a 143, a Câmara aprovou na semana passada a suspensão da ação penal, alegando imunidade parlamentar. Por uma omissão oportunista, que beneficia os demais réus, o texto não especificou que a decisão se referia apenas a Ramagem. No recurso, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), enfatizou que o pedido trata exclusivamente dele e pediu cisão do processo. E disse esperar que os votos dos 315 deputados sejam “respeitados”.

Para proteger deputados e senadores do uso político da Justiça, a Constituição lhes garante imunidade de julgamentos durante o mandato para crimes praticados depois da diplomação. Quando o STF aceita denúncia, o processo pode ser interrompido pelo voto da maioria da Câmara ou do Senado. Mas há restrições para evitar abusos. A primeira — e óbvia — é que a regra se restringe a parlamentares. Não há, portanto, nenhum amparo constitucional para a tentativa de livrar Bolsonaro e os demais réus. A segunda restrição é que crimes cometidos antes ou depois do mandato podem e devem ser julgados normalmente. Na interpretação do relator, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), porém, os atos de Ramagem anteriores à diplomação tiveram caráter “permanente”, por terem se prolongado depois da posse. Não faz sentido.

Como era esperado, a Primeira Turma do STF, ao examinar a decisão da Câmara, decidiu por unanimidade suspender a tramitação apenas das acusações contra Ramagem relativas a fatos posteriores à diplomação. Foram sustadas as relativas a 8 de janeiro de 2023 (dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado), mas foi mantido o julgamento pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado de Direito e golpe de Estado.

Agora deputados ameaçam suspender o julgamento dos recursos de Zambelli na Primeira Turma, onde ela foi condenada ontem a dez anos de prisão e perda de mandato pela invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Outra ameaça é suspender qualquer denúncia por desvios em emendas apresentada contra o ex-ministro Juscelino Filho, cujo processo foi suspenso pelo ministro Flávio Dino.

Em qualquer democracia, e a brasileira não é exceção, o Legislativo não tem direito de passar por cima da Constituição. Era do conhecimento de todos os que votaram a favor da suspensão da ação penal que tal aberração jamais prosperaria. Garantir o cumprimento do texto constitucional é dever do Supremo, e a separação entre Poderes é cláusula pétrea. Para que o Brasil se vacine contra novas tentativas de golpe, os denunciados pelo que aconteceu em 2022 e 2023 devem ser julgados, e os culpados condenados. Promover um clima de disputa entre Poderes é um desserviço à democracia.

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