Depois de Ramagem, plano é sustar outras ações no STF —
mas Corte cumpre dever ao manter julgamentos
Causa consternação o comportamento dos deputados que ameaçam
retaliar o Supremo Tribunal Federal (STF)
depois de a Corte ter julgado inconstitucional a manobra para interromper uma
ação penal contra o deputado Alexandre
Ramagem (PL-RJ). Na terça-feira, a Câmara apresentou recurso ao STF
contra a decisão. Entre os planos desses deputados está a possibilidade de
voltar à carga com medida semelhante nos casos dos deputados Carla
Zambelli (PL-SP) e Juscelino Filho (União-MA).
Ramagem é acusado de tentativa de golpe de Estado num
processo em que também é réu o ex-presidente Jair Bolsonaro. Por 315 votos a
143, a Câmara aprovou na semana passada a suspensão da ação penal, alegando
imunidade parlamentar. Por uma omissão oportunista, que beneficia os demais
réus, o texto não especificou que a decisão se referia apenas a Ramagem. No
recurso, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
enfatizou que o pedido trata exclusivamente dele e pediu cisão do processo. E
disse esperar que os votos dos 315 deputados sejam “respeitados”.
Para proteger deputados e senadores do uso
político da Justiça, a Constituição lhes garante imunidade de julgamentos
durante o mandato para crimes praticados depois da diplomação. Quando o STF
aceita denúncia, o processo pode ser interrompido pelo voto da maioria da
Câmara ou do Senado. Mas há restrições para evitar abusos. A primeira — e óbvia
— é que a regra se restringe a parlamentares. Não há, portanto, nenhum amparo
constitucional para a tentativa de livrar Bolsonaro e os demais réus. A segunda
restrição é que crimes cometidos antes ou depois do mandato podem e devem ser
julgados normalmente. Na interpretação do relator, deputado Alfredo Gaspar
(União-AL), porém, os atos de Ramagem anteriores à diplomação tiveram caráter
“permanente”, por terem se prolongado depois da posse. Não faz sentido.
Como era esperado, a Primeira Turma do STF, ao examinar a
decisão da Câmara, decidiu por unanimidade suspender a tramitação apenas das
acusações contra Ramagem relativas a fatos posteriores à diplomação. Foram
sustadas as relativas a 8 de janeiro de 2023 (dano contra o patrimônio da União
e deterioração de patrimônio tombado), mas foi mantido o julgamento pelos
crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do
Estado de Direito e golpe de Estado.
Agora deputados ameaçam suspender o julgamento dos recursos
de Zambelli na Primeira Turma, onde ela foi condenada ontem a dez anos de
prisão e perda de mandato pela invasão do sistema do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). Outra ameaça é suspender qualquer denúncia por desvios em
emendas apresentada contra o ex-ministro Juscelino Filho, cujo processo foi
suspenso pelo ministro Flávio Dino.
Em qualquer democracia, e a brasileira não é exceção, o
Legislativo não tem direito de passar por cima da Constituição. Era do
conhecimento de todos os que votaram a favor da suspensão da ação penal que tal
aberração jamais prosperaria. Garantir o cumprimento do texto constitucional é
dever do Supremo, e a separação entre Poderes é cláusula pétrea. Para que o
Brasil se vacine contra novas tentativas de golpe, os denunciados pelo que
aconteceu em 2022 e 2023 devem ser julgados, e os culpados condenados. Promover
um clima de disputa entre Poderes é um desserviço à democracia.


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