Para Christopher Garman, uma candidatura do chamado
‘centro democrático’ só terá chance de decolar se for além do discurso contra a
polarização e incorporar o sentimento antissistema que contagia boa parte do
eleitorado
O cientista político Christopher
Garman tem um retrospecto respeitável em suas previsões.
Diretor-executivo para as Américas da Eurasia, uma consultoria americana
especializada na avaliação de riscos políticos, ele foi um dos poucos entre
seus pares a afirmar, em meados de 2018, seis meses antes das eleições, que o
então candidato Jair
Bolsonaro tinha grandes chances de ir para o segundo turno e vencer o
pleito.
No fim de 2014, logo depois da reeleição da
ex-presidente Dilma
Rousseff, Garman antecipou que ela corria o risco de ser atingida ´por
uma “tempestade perfeita”, formada por um governo sem sustentação política e
baixa credibilidade no mercado, pela descoberta de um escândalo de corrupção
bilionário como o petrolão e por uma economia que mergulhava na recessão. Dois
anos depois, com o impeachment de
Dilma, seu diagnóstico se mostrou certeiro outra vez.
Neste entrevista, ele analisa o atual quadro político do
País e as perspectivas das eleições
de 2026. Ao contrário de muitos analistas, Garman diz que, mesmo se a
direita não marchar unida já no primeiro turno da disputa, terá chances de
vencer o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva em sua provável tentativa de reeleição.
“Acredito que a percepção de que essa
eventual fragmentação da direita no primeiro turno diminuiria as chances de uma
vitória oposicionista nas eleições está muito exagerada”, afirma. “Mesmo se a
gente tiver uma direita fragmentada, ainda haverá muito tempo para poder
trabalhar qualquer nome da oposição que chegue ao segundo turno.”
Ele fala também que, para uma candidatura do chamado ‘centro
democrático’ decolar, não bastará sustentar um discurso contra a polarização.
“A terceira
via só terá chance em 2026 se representar a revolta contra o sistema”,
diz. “Cada vez mais, para ser um candidato competitivo na América
Latina, em partes da Europa,
nos Estados
Unidos, você tem se apresentar com uma roupagem antissistema.” Confira a
seguir os principais trechos da entrevista.
Hoje, no Brasil, estamos bem naquele ponto em que o
incumbente pode ou não se reeleger
Com a queda na popularidade do Lula e as eleições de 2026
já aparecendo no radar, como o sr. está vendo o atual quadro político do País e
as perspectivas eleitorais do governo e da oposição?
Eu acredito que, quando a gente olha qualquer eleição
nacional, é sempre importante observar os fundamentos, saber se eleitorado quer
mudança ou continuidade e quais são as demandas e as preocupações do eleitor
mediano. Acho que isso vale muito mais para a gente analisar uma disputa
presidencial do que os candidatos em si. E, pelo quadro atual, parece que vai
ser uma eleição difícil de prever o resultado. A aprovação do presidente Lula
caiu de forma expressiva, de 49% para 41/42% do total, mas não está tão claro
que estamos caminhando para uma eleição de mudança. Ao analisar um banco de
dados com informações de 500 eleições realizadas pelo mundo afora, o que a
gente observa é que os incumbentes geralmente têm uma taxa de reeleição acima
de 50% quando a aprovação está acima de 40%. No fim do ano passado, com a alta
nos preços dos alimentos, houve uma queda na aprovação do presidente, mas
depois o governo começou a se recuperar em algumas pesquisas. Aí veio o
escândalo do INSS e
a aprovação voltou a cair. Então, hoje, no Brasil, estamos bem naquele ponto em
que o incumbente pode ou não se reeleger.
O sr. acredita que, mesmo com essa queda apontada pelas
pesquisas em sua aprovação, o Lula ainda tem chances de se reeleger?
Se a alta de preços dos alimentos, que pega a base eleitoral
do Lula, de menos dois salários mínimos, as mulheres e o Nordeste,
realmente arrefecer e a renda real continuar subindo, com o governo fazendo
alguns programas eleitoreiros como os já anunciados, o presidente tem
capacidade, sim, de se recuperar um pouco nas pesquisas e aparecer como
favorito nas eleições. Agora, quando a gente olha as preocupações do eleitor, a
foto fica um pouco pior para o governo. Hoje, há uma preocupação maior com o
tema de segurança,
que não é favorável ao presidente Lula, e o escândalo do INSS começou a
aumentar a relevância e a preocupação com a corrupção.
É possível que a preocupação com o tema de corrupção se dissipe ao longo do
tempo, seja uma coisa transitória. Mas, se vierem outros escândalos e o tema da
corrupção se solidificar, ao lado da preocupação com a segurança, isso vai
favorecer a oposição. Então, quando eu olho se nós vamos ter um cenário em que
a oposição ganha ou o presidente não consegue se reeleger, foco mais nesses
aspectos estruturais, nessa questão da mudança e da continuidade e nos temas
com os quais o eleitor está preocupado, mais do que no nome do candidato que
sairá da direita ou nas candidaturas em si.
A escolha que o Bolsonaro fizer até março do ano que vem,
antes da data de desincompatibilização dos governadores, é que vai definir o
xadrez oposicionista
Com o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível e ao que
tudo indica fora da próxima eleição, têm crescido as articulações para o
lançamento de um candidato único da oposição no pleito de 2026. O ex-presidente
Michel Temer, inclusive, tem sido um dos grandes articuladores dessa
candidatura unificada, envolvendo nomes como os governadores Tarcísio de
Freitas (SP), Ratinho Junior (PR), Ronaldo Caiado (GO) e Romeu Zema (MG), para
evitar a reeleição do Lula. Como o sr. avalia essa iniciativa do ex-presidente Temer
e, de forma mais abrangente, as iniciativas da oposição para apresentar uma
possível candidatura única já no 1ºturno das eleições?
Há certa ansiedade da oposição em relação a isso. Boa parte
desse esforço, colocado como uma agenda para o País, tem se concentrado em
torno do nome do governador de São Paulo, Tarcísio
de Freitas. Existe um esforço também para tentar convencer o ex-presidente
Jair Bolsonaro a endossá-lo. O ex-presidente ainda detém um capital político
expressivo e permanece como o grande líder da oposição. Ele tem uma base
razoavelmente fiel e as pesquisas mostram que o índice de aprovação dele não
caiu um triz desde a última eleição presidencial. Todos os atores sabem que
qualquer nome que ele endossar já começa com uma base de apoio popular
considerável, provavelmente na casa de 20 pontos porcentuais. Então, a escolha
que o Bolsonaro fizer até março do ano que vem, antes da data de
desincompatibilização de governadores de Estado que quiserem participar das
eleições, é que vai definir o xadrez oposicionista. O grande protagonista que
vai definir se a direita estará unificada ou não encontra-se na figura do
ex-presidente. Em inglês, a gente diria que ele é o kingmaker, o
‘fazedor de reis’, porque vai depender dele como será o jogo eleitoral.
Nesse cenário, como fica o governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, que no momento parece reunir o maior apoio nas fileiras da
oposição para ser o candidato anti-Lula?
O governador de São Paulo reconhece essa realidade e, no meu
ponto de vista, ele só vai se desincompatibilizar para concorrer à Presidência
se o Bolsonaro o escolher como seu herdeiro para disputar as eleições de 2026,
caso realmente não possa concorrer, como parece altamente provável no momento.
Teria de haver alguma manifestação pública, algum compromisso firme de que o
Tarcísio é o nome do ex-presidente. Porque, se o Bolsonaro não deixar isso
claro, dificilmente o governador vai deixar o governo de São Paulo para
concorrer à Presidência e correr o risco de ser taxado de traidor pela base
bolsonarista, deixando para trás uma reeleição quase certa para o governo do
Estado. Hoje, todos em Brasília, todos os partidos, estão esperando essa
decisão do ex-presidente.
Em sua opinião, o que deve acontecer se o Bolsonaro
endossar o nome de Tarcísio?
Se, de fato, o ex-presidente escolher o Tarcísio, aí outras
candidaturas da direita tendem a minguar e poderemos ter uma candidatura
unificada ao redor do governador de São Paulo. Se o Bolsonaro optar por não
endossar o Tarcísio, com vistas a substituir o nome dele por alguém da família,
seja um dos filhos ou a mulher e ex-primeira-dama Michelle
Bolsonaro, aí nós vamos ter uma direita fragmentada. O (secretário de
Governo de São Paulo) Gilberto
Kassab, (presidente) do PSD,
já está considerando um nome para poder lançar como candidato. Provavelmente,
deverá ser o governador do Paraná, Ratinho
Junior. O Eduardo
Leite (governador do Rio Grande do Sul), que mudou recentemente do
PSDB para o PSD, está correndo por fora. Um desses nomes poderá ser lançado até
o fim deste ano ou início do ano que vem. Temos também o governador Ronaldo
Caiado, de Goiás, e o governador de Minas Gerais, Romeu
Zema.
Nesse cenário em que o Bolsonaro opta por escolher alguém da
família na reta final da campanha para representá-lo na disputa, é muito
provável que a gente tenha uma direita mais fragmentada. Pode haver uma
consolidação, talvez reunindo dois ou três desses nomes ainda no primeiro
turno, mas, no fundo, será uma direita dividida, porque terá nomes de
governadores de Estado de um lado e, provavelmente, alguém da família Bolsonaro
do outro. Se isso acontecer, obviamente um desses nomes deverá ir para o segundo
turno com Lula.
Na sua avaliação, qual o impacto que essa fragmentação da
direita no primeiro turno pode ter na disputa contra Lula no segundo turno?
Acredito que a percepção de que essa eventual fragmentação
no primeiro turno diminuiria as chances de uma vitória oposicionista nas
eleições está muito exagerada. Eu escuto muito, quase como um mantra, que se o
governador de São Paulo encabeçar uma direita consolidada, unificada, a
oposição vai ganhar em 2026. E que, se a direita estiver fragmentada, com
possibilidade elevada de um nome do Bolsonaro chegar ao segundo turno, as
chances do Lula prevalecer cresceriam bastante. Este diagnóstico me parece exagerado.
Mesmo se a gente tiver uma direita fragmentada, ainda haverá muito tempo numa
disputa presidencial para poder trabalhar qualquer nome da oposição que chegue
ao segundo turno.
Nós temos de lembrar que a grande maioria das eleições
nacionais – ou muitas delas – tem uma campanha razoavelmente curta, de quatro
ou cinco semanas. O eleitor tende a tomar a sua decisão e a solidificar as suas
visões ao longo da campanha. A noção de que é necessário trabalhar um nome seis
a doze meses antes para poder projetá-lo nacionalmente, para ele poder ser
competitivo, me parece algo que pode até ser importante para a classe política,
para ampliar o apoio político-partidário ao candidato, as alianças. Tudo isso
importa. Mas, para a eleição em si, se um candidato da direita chegar no
segundo turno, acredito que ainda terá quatro semanas para poder apresentar sua
visão. É muito tempo. Isso coloca na cabeça do leitor uma escolha binária e
qualquer candidato que chegar lá ainda terá uma boa chance de prevalecer.
Agora, se houver esse divisão na direita no primeiro
turno, provavelmente o candidato da oposição que prevalecer terá bem menos
votos do que o Lula. Isso não aumenta as chances de o presidente conseguir se
reeleger?
Novamente, a dinâmica do primeiro turno é bem diferente da
dinâmica do segundo. O segundo turno é outra disputa. Temos muitos exemplos em
que uma candidatura com baixa intenção de voto acaba subindo ao longo do
primeiro turno e entra em alta no segundo. Então, se nós estivermos num
ambiente de mudança, com a aprovação do presidente Lula caindo um pouco mais
até lá e temas como segurança a corrupção se tornando mais importantes, aí
qualquer nome da direita teria boas chances de prevalecer. Mas, se a aprovação
do presidente se recuperar, se a renda real subir, se os preços dos alimentos
estiverem mais baixos e as preocupações eleitorais não forem tão focadas em
temas como corrupção e segurança, aí o presidente Lula teria chance de
prevalecer até mesmo sobre o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Quer dizer, pelo que o sr. está falando, que mesmo que a
direita esteja fragmentada no primeiro turno ainda terá chance de ganhar a
eleição contra o Lula?
Com certeza. De novo, o que importa é se há ou não um desejo
de mudança. O que importa são as preocupações do eleitorado. Se houver esse
sentimento de mudança, um dos governadores da oposição, seja o governador do
Paraná, seja outro candidato ou até mesmo um nome da família Bolsonaro teria a
chance de prevalecer sobre o presidente Lula, Agora, quem será esse candidato
da oposição que chegará ao segundo turno no caso de haver uma direita
fragmentada no primeiro turno, se vai ser um governador ou um membro da
família, é uma questão que ainda vai gerar muito debate entre os analistas. Mas
qualquer nome que tiver o apoio do Bolsonaro entra com força nessa disputa.
Hoje, o PSD tem dois presidenciáveis, o governador de Paraná
e o governador de Rio Grande do Sul. Mas precisará fazer uma escolha, na qual o
presidente do partido, Gilberto Kassab, terá um peso importante
O sr. falou há pouco no nome do governador do Rio Grande
do Sul, Eduardo Leite, como um possível candidato do PSD à presidência nas
eleições de 2026, ao lado do governador Rainho Junior. O sr. não acha que, com
sua história ligada ao PSDB, ele é um “animal político” diferente dos outros
nomes da direita e da centro-direita? Como o Eduardo Leite se coloca nesse
quadro que o sr. está traçando?
Acredito que o Eduardo Leite entrou no PSD com a intenção de
ter um partido com mais estrutura, mais força política, que possa lhe dar um
palanque de projeção nacional com mais força. Mas o PSD precisará fazer uma
escolha, na qual o secretário Gilberto Kassab terá um peso importante. O
partido hoje tem dois presidenciáveis, o governador de Paraná e o governador de
Rio Grande do Sul. Hoje, me parece que o governador do Paraná leva vantagem. E
você tem toda a razão. São perfis diferentes. O governador do Paraná surfa mais
no eleitorado bolsonarista tradicional. Ele apoiou o ex-presidente durante a
campanha. Tem um discurso mais à direita. O governador Eduardo Leite tem um
discurso muito mais de centro, representa mais uma “terceira via”, em meio a um
ambiente nacional tão polarizado como a gente tem hoje no País.
Diante da aparente fadiga de uma parcela da população com
a polarização entre Lula e Bolsonaro (ou de seus familiares e aliados), como o
sr. você vê a possibilidade dessa terceira via prosperar, atraindo esse
contingente que não se sente confortável nesse quadro?
Acho bem difícil que uma candidatura que se posicione contra
esses dois polos seja bem-sucedida. É possível que ela possa prosperar, mas,
num ambiente carregado, de um país dividido, um discurso de centro é mais
difícil de vingar, embora o governador Eduardo Leite tenha sido muito
bem-sucedido no Rio Grande do Sul. Ele acredita que existe um caminho para
poder perseguir uma candidatura alternativa, a despeito desse país dividido,
mas seu primeiro desafio será superar a escolha dentro do seu novo partido. E aqui,
mais uma vez, me parece que o governador do Paraná tem uma vantagem nessa
escolha.
A que o sr. atribui essa dificuldade de uma candidatura
do chamado “centro democrático” decolar?
A raiz desse ambiente altamente polarizado é um desencanto
profundo de grande parte do eleitorado com várias instituições. Há um
desencanto profundo em relação ao Judiciário, à classe política, à mídia, aos
ricos, aos poderosos, aos corruptos. Existe uma percepção muito forte de que o
sistema está quebrado. Nesse ambiente, para atrair o eleitorado de direita, que
tem esse descanto mais direcionado ao Judiciário e a uma parte da classe
política, qualquer candidatura tem de falar para esse público. Evidentemente,
nessa disputa a mira estará centrada no Supremo
Tribunal Federal, em cima de decisões caracterizadas, de acordo com a
direita, como censura.
Então, para uma candidatura de centro ser bem sucedida, vai
precisar representar essa revolta contra o sistema, o que tende a ser mais
difícil com os partidos de centro tradicionais. É possível até, como eu disse,
que ela prospere, mas não adianta só apresentar um nome de centro para quebrar
a polarização. Tem de ser alguém com credibilidade para lutar contra esse
sistema, contra esse desencanto. Este é o requisito. Acho que as pessoas
subestimam esse desencanto contra o sistema. E cada vez mais, para você ser um
candidato competitivo na América Latina, em partes da Europa, nos Estados
Unidos, você tem que ter de se apresentar com uma roupagem antissistema. É
claro que existe um segmento do eleitorado que não tem esse grau de desencanto,
mas para entrar na disputa contra esses dois polos e chegar ao segundo turno,
qualquer que seja o candidato da direita no primeiro turno, fica mais
desafiador.
Em que medida o Lula também representa esse “desencanto”
e esse “sentimento antissistema” aos quais o sr. se refere?
Do lado da esquerda, o presidente Lula captura esse
sentimento se posicionando como um candidato que defende o interesse dos pobres
contra os ricos. Neste sentido, a reforma do Imposto de
Renda, que tem boas chances de ser aprovada pelo Congresso, certamente vai ser
utilizada na campanha como um benefício do governo para o andar de baixo, com a
taxação do andar de cima. O programa de tarifas sociais, como o Vale Gás,
também vai nessa direção. Claramente, o presidente Lula vai fazer uma campanha
defendendo o eleitorado dele, de menos de R$ 2 mil de renda, com o qual ele
perdeu um pouco de apoio dada a alta dos preços dos alimentos.
Christopher Garman: ‘O Tarcísio só vai concorrer à
Presidência em 2026 se tiver o aval do Bolsonaro’
O cientista político afirma que, sem isso, governador de SP
deverá buscar a reeleição, para não ser taxado de ‘traidor’ pelos
bolsonaristas.
O sr. acredita que, desta vez, o candidato da direita vai
conseguir o apoio do chamado “centro democrático” num eventual segundo turno
contra Lula, especialmente se for um representante da família Bolsonaro, como a
ex-primeira-dama Michele ou um dos filhos do ex-presidente?
Vai depender muito se haverá uma candidatura mais de centro,
de um governador mais moderado, puramente anti-Lula e anti-Bolsonaro. Na
eleição de 2022, tivemos a candidatura da atual ministra do Planejamento e
ex-senadora Simone
Tebet, cujo apoio ao Lula acabou sendo importante num segundo turno muito
acirrado. Mas eu diria que o apoio desse candidato geralmente não é tão
decisivo assim para o resultado da eleição. Se houver um desejo de mudança, o
nome de Bolsonaro pode capitalizar esse sentimento.
Agora, é claro que qualquer nome da família Bolsonaro terá
de fazer uma boa campanha. Não vai poder fazer uma campanha só atacando o
Supremo. Terá de falar sobre os anseios da população, os temas econômicos, a
questão do custo de vida, os temas sociais. Terá de haver todo um treinamento
de uma candidatura da família Bolsonaro que vai ser importante para conseguir
um bom resultado. A ex-primeira-dama, por exemplo, é um nome que ainda não foi
testado. Ela nunca fez uma campanha nacional. Então, há uma série de questões
sobre a capacidade de ela tocar uma campanha de forma disciplinada, num
ambiente de livre debate. Nós temos ainda o Eduardo
Bolsonaro, que também tem os seus passivos. O potencial eleitoral da
ex-primeira-dama tende a ser maior. É uma mulher articulada, que pega um
eleitorado que o ex-presidente teve dificuldade de atrair. Por isso, ela está
acima dos filhos nas pesquisas, embora eles tenham mais experiência no campo
político. Cada candidatura da família Bolsonaro tem seu passivo, mas eu acho
que, mesmo sem o apoio de uma candidatura de centro, se houver desejo de
mudança e uma campanha bem feita, ela terá plenas condições de prevalecer.
Hoje, muita gente, principalmente no campo da
centro-direita e da direita, levanta questões relacionadas ao papel que o
Supremo pode ter nas eleições, por meio da censura e do controle das redes
sociais. Na sua avaliação, qual a influência que o STF pode ter no pleito de
2026?
Olha, esse vai ser um tema que a direita deverá usar como
uma das suas bandeiras em 2026, contra um Supremo que supostamente extrapola os
seus limites constitucionais, que tem tido um papel ativo na regulação das
campanhas, que pesou a mão em vários casos nas penalidades sobre indivíduos
que, supostamente, têm propagado fake
news. Então, eu acredito que a direita vai colocar essa questão de forma
contundente na campanha. Também acredito que o tema de defesa da democracia vai
ser mais saliente e relevante para o eleitor da direita do que da esquerda, ao
contrário do que aconteceu em 2022.
Na última disputa presidencial, a questão da defesa da
democracia foi mais um tema do campo progressista, colocando o ex-presidente
Bolsonaro como ameaça à democracia. E, evidentemente, essa visão continua
presente no governo Lula. Mas, quando a gente olha as pesquisas, as
preocupações do eleitorado lulista hoje em relação ao tema de democracia são
quase inexistentes. A preocupação com a democracia já era, na verdade, mais das
elites progressistas do que do eleitorado mais lulista. Agora, o perfil do eleitorado
bolsonarista é um pouco diferente, de classe média, mais escolarizado, com uma
renda um pouco maior. Então, nessa disputa eleitoral, é possível que, pela
primeira vez, a preocupação com a democracia e a censura comece a aparecer nas
pesquisas como um tema da direita e do eleitorado mais conservador e não da
esquerda.
Até que ponto essa preocupação com a democracia pode
ajudar a direita em 2026?
Não acredito que isso vai definir o resultado da eleição,
mas é um tema que hoje mobiliza mais a direita. É provável que o ex-presidente
seja condenado até o final deste ano nas investigações dos atos contra a
democracia e o resultado eleitoral de 2022. Existe também a possibilidade de
uma ação legal desfavorável contra um dos filhos, o Eduardo Bolsonaro. Então, é
possível que a ameaça à democracia e a censura possam ter um papel importante
na disputa. Mas eu acredito que o que vai fazer a diferença serão os temas mais
econômicos e de renda, o custo de vida, a inflação.
Em 2022, a grande maioria do eleitorado votou no Lula por
causa de temas econômicos e sociais, da questão da desigualdade.
A gente tem de lembrar de que, em 2021, no fim do governo Bolsonaro, houve
também um aumento expressivo da inflação, dos preços de alimentos. Esse surto
inflacionário pós-covid afetou muito também o ex-presidente e ele só conseguiu
se recuperar porque encaminhou um pacote de medidas de mais gastos, promovendo
o aumento do Auxílio
Brasil, a redução do preço da gasolina. Foi um pacote que realmente ajudou
a recuperação do ex-presidente na reta final da campanha, mas ele acabou
gastando tarde demais para virar a eleição. Nas pesquisas às quais eu tive
acesso, a questão da democracia nem aparecia como um tema eleitoral.
Certamente haverá um ganho da direita no Senado. A pergunta
é de quanto será. E certamente haverá uma pressão maior em cima do Supremo
Em 2026, pelo que tenho acompanhado, parece que aquela
coisa do “pela democracia”, que impulsionou a candidatura do Lula em 2022, vai
virar o “contra a extrema direita”. Recentemente, o presidente Lula afirmou que
“a extrema direita não voltará a governar este país” e muitos de seus aliados
do PT e de outros partidos têm batido na mesma tecla. Como o sr. analisa essa
questão?
Nós temos uma disputa presidencial na qual cada lado enxerga
o outro como uma ameaça existencial à democracia. Esta é uma das infelicidades
do ambiente político que vivemos hoje. O fato de o Palácio Planalto e o
presidente Lula enxergarem o campo oposicionista como um grupo antidemocrático
influencia a tomada de decisões sobre política econômica, influencia a maneira
como eles enxergam 2026, de que tem muito mais em jogo do que a mera
sobrevivência desse governo. O campo oposicionista tem a mesma visão, no sentido
de que há uma aliança política entre o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal
Federal e de que o Supremo está infringindo a liberdade de expressão, ao reagir
a uma direita que coloca na mira os próprios tribunais. Então, é difícil evitar
esse ambiente carregado.
Para a gente terminar, gostaria de falar sobre a eleição
para o Congresso. O presidente Lula disse também recentemente que a esquerda
precisa ter maioria no Senado, porque, se isso não acontecer, a oposição “vai
avacalhar o Supremo”. Como o sr. vê essa declaração do Lula e a perspectiva de
o Senado ser dominado pela oposição na próxima legislatura?
Sem dúvida nenhuma, a direita vai avançar no número de cadeiras no Senado. Existe um foco muito grande em buscar a maioria no Senado para enfrentar o Supremo nesses temas de censura. Pelas nossas contas, é claro que a direita vai avançar, mas talvez ainda talvez não chegue ao ponto de obter maioria para poder encaminhar um impeachment contra um ministro do Supremo. Você pode ter candidatos de centro-direita que se opõem a ações do Supremo, mas que não estão dispostos a apoiar medidas mais duras. Agora, certamente a direita mais raiz, a direita bolsonarista terá mais votos, mais cadeiras. A direita está se organizando, lançando nomes fortes. O presidente Bolsonaro está focado no Senado também. Caso não disputem a Presidência, um de seus filhos, o Eduardo Bolsonaro, e a Michele Bolsonaro devem concorrer ao Senado.
O Presidente Lula está fazendo movimentos de defesa, ao ver a direita se organizando para controlar o Senado, tentando lançar nomes mais competitivos para o Senado. Vai ser uma tarefa difícil. No fundo, acho que o governo Lula pode até tentar fazer contenção de danos, mas certamente haverá um ganho da direita no Senado. A pergunta é de quanto será. E certamente haverá uma pressão maior em cima do Supremo, não só em relação ao impeachment de um ministro, mas também em relação a medidas que possam limitar os poderes do próprio Supremo. Há várias PECs (Propostas de Emenda Constitucional) em tramitação no Senado que vão nessa direção.


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