O posto de deputado ou senador é um empregão como poucos
para tanta falta de responsabilidade
Pelas redes circula um abaixo-assinado pelo fim das
mordomias dos parlamentares. Até agora, angariou milhares de apoios. O posto de
deputado ou senador é um empregão como poucos para tanta falta de
responsabilidade. Fora o majestoso salário, as verbas de gabinete (combustível,
vale-paletó etc.), as emendas secretas e o fundo eleitoral tornam a ocupação um
pedaço de paraíso na Terra.
A atual fotografia do Congresso Nacional não é um espelho do
Brasil. O que está ali é uma distorção provocada pelas anomalias impostas ao
sistema eleitoral, num caso bem pensado de esculhambação. Com o intuito de
esmorecer a vontade popular e tornar irrelevante a participação dos eleitores,
tipo:
— Deixe esses caras para lá, vou cuidar da minha vida.
Políticos como os Bolsonaros e Sóstenes
Cavalcante contam com o desânimo e o ódio da população na desmontagem
da democracia representativa. Quanto pior, melhor.
A comparação entre o Congresso Constituinte
de 1988 e a atual formação, onde o destaque se dá pela irrelevância
intelectual, mostra um desnível brutal. Basta lembrar que o presidente da
Câmara se chamava Ulysses Guimarães, um dos líderes na derrubada da ditadura.
Hoje temos lá no cargo um pau-mandado corporativo de verbas. Não fala só por
si, mas pelo Arthur Lira e
outros que o instruem sobre como arruinar o país.
Não culpemos o eleitor. O sistema democrático brasileiro se
vê montado para privilégio de poucos. Nunca da maioria. Veio contaminado pelos
generais da ditadura, e os congressistas o tornaram pior com suas inúmeras
revisões — que ocorrem sempre a cada primavera ou pleito. Com tantos senões, os
melhores nomes da sociedade ou se eximem da política ou são batidos pelos
latifundiários das emendas. Não é que o atual Congresso seja o mais direitista
desde a redemocratização. É o mesmo bolo: PT e PL estão
iguais. Os petistas têm votado na mesma sintonia corporativa. Vários de seus
deputados ajudaram a manter os jabutis na conta da energia. Se a esquerda antes
contou com o sociólogo Florestan Fernandes… bem, hoje tem maquiador e
cabeleireiro na folha do gabinete.
No Brasil sempre se busca compreender por que as coisas
pioram mesmo quando se pensa ter tomado a decisão racional. Foi o caso de
o STF proibir
as contribuições de empresas privadas aos candidatos. E dar gás ao fundo
eleitoral. Naquele momento, olhou-se apenas para as eleições presidenciais.
Parecia enfim o caminho para uma democracia madura. Imagine ser como os Estados
Unidos, onde o poder econômico das big techs desequilibra a vontade popular ao
despejar milhões de dólares num único nome. Melhor afastar tal perigo colocando
o dinheiro público em defesa da boa consciência — e a coisa deu ruim. Por
ingenuidade, não se contava com a sanha desmesurada de quem ganha mesada. Soa
como crack: qualquer quantidade traz o vício. Ao contrário de outras ocupações,
para as quais se requer estudo e investimento do próprio bolso, ser parlamentar
no Brasil não implica risco. Não se põe dinheiro à frente, porque os chefões
dos partidos escolhem os futuros príncipes ao distribuir o ouro aos
apaniguados. Com a sorte de não ser cobrado por seus votos, porque no Brasil só
se olha para o presidente da República. Qual seria o ônus daqueles que
diminuíram o imposto sobre as bets de 18% para 12% e agora aumentam o número de
colegas em virtude do novo cálculo demográfico?
O modelo político leva o eleitor a só pensar no próximo
candidato a presidente. Nunca a senador ou deputado. Qualquer ação política,
para melhora da representação democrática, passa por escolher no próximo ano
parlamentares com currículo, créditos e serviços já prestados à população. Dá
trabalho, mas não tem outro jeito. Pesquisar quem não se apoia apenas em likes
ou na tediosa polarização como meio gratuito de popularidade. À esquerda ou à
direita, aquele que se aproveitou de fake news deveria ser esquecido. Deve ser
aposentado.
Mais importante do que saber se Michelle ou Lula ganharão
a eleição em 2026, é votar em deputado e senador comprometidos com a reforma
eleitoral. Naquele que deseja voto distrital, sendo claramente de direita ou
esquerda — e não oportunista. Em nomes cujo número de celular seja conhecido
para ser cobrado pelos eleitores. Quando se compra um produto estragado, você
não o devolve? Não bate o pé? É o mesmo com o deputado ou senador: devolva-o
com seus defeitos. Escolha outra marca.


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