Aumento surpresa do IOF no mês passado gerou uma
insatisfação tão grande no setor que pode deixar cicatrizes
Um dos poucos defensores da responsabilidade fiscal com peso
dentro do governo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sempre teve boa
relação com os bancos. Quando precisou aprovar o novo arcabouço fiscal, o setor
manifestou publicamente seu apoio a ele. Mesmo em seus tempos de prefeito de
São Paulo ou ministro da Educação, em gestões passadas do PT, Haddad sempre
circulou nesse meio e era visto como alguém de perfil mais técnico, intelectual
e bom gestor. Agora, há sinais de estremecimento nessa relação.
Nos últimos meses, os banqueiros parecem estar se
distanciando um pouco do ministro. O incômodo aumentou à medida que foi ficando
claro que o governo busca salvar as metas deste ano e do próximo, mas não tem
um plano para frear a trajetória da dívida pública no médio e longo prazos. E,
principalmente, com a constatação de que as medidas de ajuste fiscal têm sido
feitas com aumento de impostos e não com redução de gastos.
A situação do setor financeiro é delicada,
pois, ao mesmo tempo em que não tem mais condições de fazer uma defesa enfática
de Haddad, também não pode abandoná-lo por completo, já que isso deixaria a
porta aberta para a ala do governo que defende expansionismo fiscal para manter
a economia aquecida, especialmente à medida que se aproxima a eleição
presidencial de 2026.
O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban),
Isaac Sidney, por diversas vezes já defendeu publicamente Haddad, mas o aumento
surpresa do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no mês passado gerou uma
insatisfação tão grande no setor que pode deixar cicatrizes. Segundo o Valor apurou,
a entidade levou os CEOs dos grandes bancos até a Fazenda, promoveu reuniões
técnicas para mostrar os efeitos devastadores da medida no crédito a pessoa
jurídica e apresentou alternativas ao governo.
Ainda assim, a equipe econômica não dava sinais claros de
recuar, o que fez Sidney expressar sua insatisfação em níveis mais fortes. No
fim de semana passado, durante evento no Guarujá (SP), o presidente da Febraban
chegou a dizer que, se o ajuste fiscal não for feito por bem, será por mal. “Se
nós não conseguirmos entender — e isso vale para o Judiciário, o Legislativo,
passando pelo Executivo e a sociedade — por bem, essa conta será absolutamente
inadministrável e insuportável.”
No fim das contas, o governo recuou parcialmente na
imposição de IOF sobre operações de risco sacado (financiamento a
fornecedores), tirando a alíquota fixa de 0,38% e deixando apenas a diária, de
0,0082%, o que nas contas da Fazenda reduz o impacto da medida em 80%. Por
outro lado, aumentou a tributação de juros sobre o capital próprio (JCP) e
uniformizou a alíquota sobre aplicações financeiras em 17,5%.
Há alguns dias, durante o Febraban Tech, evento que reuniu
58 mil pessoas e as principais lideranças do setor bancário em São Paulo, os
CEOs das maiores instituições também cobraram o governo. A manifestação
mais enfática veio do CEO do BTG, Roberto Sallouti.
O executivo afirmou que os membros da equipe econômica
reconhecem publicamente que é inevitável que o Brasil revise toda a estrutura
de despesas, caso contrário o arcabouço fiscal não será sustentável a partir de
2026. “Se sabemos todos que é inevitável, por que não revisar gastos agora?”,
questionou Sallouti. “Vamos fazer isso o mais rápido possível,
independentemente de eleição, porque quem ganha com isso é o Brasil”, afirmou,
referindo-se à sucessão presidencial ano que vem.
O CEO do Itaú, Milton Maluhy, foi mais discreto,
incentivando todos os participantes, do governo e sociedade civil, a apoiarem a
busca de soluções de longo prazo. “Precisamos deixar a polarização de lado e
focar no que é melhor para o Brasil. Não dá para olhar só para o próprio
umbigo.” O CEO do Bradesco,
Marcelo Noronha, disse que sempre defendeu “a busca do equilíbrio fiscal pelo
lado das despesas e não das receitas”.
A busca de uma solução para a crise do IOF é tão premente
que tem tomado basicamente todo o tempo da equipe econômica. Fontes do setor
financeiro têm relatado dificuldade de conseguir uma agenda com os
secretários-executivos da pasta. Nomes como Dario Durigan e Marcos Pinto, que
têm uma boa interlocução com os bancos e obtido bons avanços em políticas
microeconômicas, também viram a relação com o setor esfriar um pouco nas
últimas semanas.
A questão política tem ameaçado contaminar até alguns
programas que seriam vitórias do governo, como o novo consignado privado.
Embora a medida seja aplaudida pelo setor bancário, a oposição tenta levantar a
questão do superendividamento que a linha pode acarretar e mesmo do uso dos
bancos públicos, já que Banco
do Brasil e Caixa têm sido mais ativos do que os grandes rivais
privados nos primeiros meses da nova linha.
Uma vitória dos bancos neste imbróglio todo foi a manutenção
da alíquota da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) em 20%, já que
havia a possibilidade de novo aumento deste imposto, como já se viu em outros
momentos de maior necessidade de arrecadação. Ao mesmo tempo, a CSLL de
fintechs e financeiras foi elevada, reduzindo uma “assimetria” entre
instituições tradicionais e as novas.
A grande questão que se coloca entre Haddad e os banqueiros é, sem dúvida, a responsabilidade fiscal. Ainda assim, não se pode deixar de notar que o pano de fundo deste cenário tem, cada vez mais nítido, o tabuleiro eleitoral de 2026.
Com Jair Bolsonaro inelegível e sem indicar um sucessor político, corre-se o risco de a direita ficar fragmentada e, se isso acontecer, não está claro em qual campanha o setor bancário embarcaria. De qualquer forma, parece cada vez menos provável que o barco de Lula/Haddad conte com este apoio.


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