Nas últimas semanas, Lula sofreu um cerco no Congresso, que
somente não é de aniquilamento porque outras variáveis influenciam o
comportamento do Centrão
Ninguém morre antes de morrer. O presidente Luiz Inácio Lula
da Silva resolveu enfrentar o Centrão em relação à política tributária porque
se sentiu muito acuado e já se deu conta de que os "companheiros de
viagem" desembarcaram de seu projeto de reeleição. Desde quando seus
principais líderes declinaram de participar do governo. Foram os casos, por
exemplo, dos ex-presidentes do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e da Câmara,
Arthur Lira (Progressistas-AL), que mantêm distância regulamentar do governo.
Havia uma possibilidade de ampliação da coalizão de governo,
com a incorporação de lideranças que fossem maiores do que os ministérios que
deveriam ocupar, mas os resultados eleitorais de 2024 consolidaram a
fragilidade dos partidos de esquerda e fortaleceram os partidos do Centrão.
Especialmente o PSD, de Gilberto Kassab, o visionário da grande reestruturação
do sistema partidário em curso, cuja tática de manter um pé em cada canoa e
disputar os grandes quadros políticos náufragos desse realinhamento vem dando
excelentes resultados em diversos estados.
Lembro-me de um antigo político de Macaé
(RJ), o deputado estadual Cláudio Moacir, que foi líder do MDB na Constituinte
de fusão dos antigos estados da Guanabara e Rio de Janeiro. O interventor
federal, almirante Floriano Peixoto Faria Lima, designado governador do novo
estado pelo presidente Ernesto Geisel, não tinha maioria parlamentar. Por essa
razão, entregou a relatoria da Constituição fluminense a um deputado ligado ao
ex-governador Chagas Freitas (MDB).
Líder do governo, Sandra Cavalcanti (Arena) não aceitou a
mudança e renunciou ao cargo. Indagado se assumiria o cargo, Claudio Moacir foi
enigmático: "De jeito nenhum, vou ficar como bigode". Como assim?
"Na boca, porém, do lado de fora". Essa é a posição dos caciques do
Centrão em relação ao governo Lula, entre os quais Gilberto Kassab, secretário
da Casa Civil daquele que pode ser o principal adversário de Lula nas eleições,
o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Nas últimas semanas, Lula sofreu um cerco no Congresso, que
somente não é de aniquilamento porque outras variáveis influenciam o
comportamento coletivo e individual dos líderes do Centrão. A maioria quer ver
o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível e enfraquecido eleitoralmente. Embora
tenha participado da base de apoio de Bolsonaro, não aderiu à tentativa de
golpe de 8 de Janeiro.
Os políticos são gatos escaldados: os militares
defenestraram os principais líderes civis do golpe de 1964, que destituiu o
presidente João Goulart (PTB), entre os quais Carlos Lacerda (UDN) e Juscelino
Kubitscheck (PSD). Ambos pretendiam disputar as eleições presidenciais de 1965,
que foram suspensas e só ocorreram em 1989.
Xadrez estadual
Do ponto de vista individual, as circunstâncias nos estados
também contam muito. O ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), que tem
pretensões ao Senado, está na planície da Câmara, uma espécie de efeito Orloff
do que acontece com os deputados Aécio Neves (PSDB-MG) e Arlindo Chinaglia
(PT-SP). Nem vamos falar de outros antecessores, que comemoram o pão que o
diabo amassou. Enfrenta aliados poderosos de Lula em Alagoas, o senador Renan
Calheiros (MDB), e o ministro dos Transportes, o ex-governador Renan Filho
(MDB).
Pacheco tem pretensões eleitorais em Minas Gerais, onde
almeja suceder o governador Romeu Zema (Novo). Para isso, precisa manter no
cargo o atual ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Em Minas Gerais,
o PT está muito enfraquecido, mas Lula ainda tem a força do lulismo e a caneta
cheia de tinta, num estado que depende muito do governo federal.
A propósito, o atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre
(União) precisa do apoio de Lula no Amapá, onde seu principal adversário, o
prefeito de Macapá, Dr. Furlan (MDB), é pulo de dez para o governo estadual. O
presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que parece ter se
reposicionado em relação a Lula, que apoiou sua eleição, tem que levar em conta
que o governador da Paraíba, João Azevedo (PSB), é aliado de primeira hora de
Lula.
Onde está o grande problema de Lula com os políticos do
Centrão? Nos lobbies poderosos do agronegócio, do mercado financeiro, do
mercado de imobiliário e das bets, da indústria de armas e segurança, inclusive
israelenses, e dos evangélicos. Olhando as pesquisas, o cenário é mesmo
de grande risco eleitoral. O Norte e o Nordeste ainda estão com Lula, o Sul e o
Centro-Oeste já estavam na oposição. Entretanto, é no Sudeste onde a
desaprovação ao governo agora é mais alta.
Entre os dias 29 de maio e 1º de junho, a pesquisa
Genial/Quaest constatou que 64% dos habitantes da Região Sudeste desaprovam o
governo Lula. A região é chamada de Triângulo das Bermudas por causa do risco
de naufrágio eleitoral. No país, a desaprovação da gestão Lula atingiu 57%,
mantendo a tendência de alta das pesquisas anteriores. Diante desse cenário,
Lula não pode contar com o Congresso.
Sua única alternativa é apostar na empatia com os mais
pobres, que sempre foi o seu grande ativo eleitoral. Para isso, turbinou os
programas de transferência de renda, entre os quais, o Bolsa Família, R$ 158,6
bilhões, cerca de 7,4% das despesas primárias; e Benefício de Prestação
Continuada (BPC) Renda Mensal Vitalícia (RMV), R$ 113,6 bilhões, equivalentes a
5,3%. A opção preferencial pelos mais pobres, que já deu cinco eleições
presidenciais ao PT, é o que lhe restou. Será que vai dar certo?


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