Ciclo acadêmico sobre a filósofa alemã discute a questão
da responsabilidade moral
Na última segunda-feira (23), assisti através do YouTube ao
primeiro dia de conferências do 12º Ciclo Hannah Arendt, realizado na
Universidade Estadual de Londrina, Paraná. O evento contou com quase 200
inscritos e teve como tema a responsabilidade moral pelo mundo.
Segundo a professora Maria Cristina Müller, organizadora do
ciclo, em diversos momentos da sua obra, como em "Eichmann em Jerusalém:
um Relato sobre a Banalidade do Mal" (1963), Arendt buscou refletir sobre
até que ponto proposições morais poderiam ser válidas para a solução de questões
relativas à conduta política, mesmo sabendo que moral e política possuem
interesses e critérios distintos. Pois, para a filósofa alemã, a política tem
por objeto o mundo, enquanto a moral diz respeito ao indivíduo.
Müller explica que Arendt teria despertado
para essa discussão ao observar o comportamento de alguns poucos membros da
sociedade alemã durante o regime nazista,
que, a exemplo do filósofo Karl Jaspers, amigo e professor de Arendt, optaram
por se ausentar da vida pública sem que futuramente pudéssemos criticá-los por
isso.
De acordo com Müller, diante de um contexto político extremo
como aquele criado por um regime totalitário, "Arendt argumenta que a
única coisa que uma pessoa podia fazer era obedecer a si própria e à sua
consciência. Nesse sentido, ela conclui que, em situações em que a lei se
inverte, em que a moralidade como era conhecida e os mandamentos e as regras
externas de conduta não são suficientes para conduzir o juízo e a ação humana,
o último recurso cabível pode ser encontrado no argumento moral socrático de que é preferível
sofrer o mal do que cometê-lo".
Quem também abordou essa questão em sua participação no
evento foi Adriano Correia, professor da Universidade Federal de Goiás e autor
do livro "A Banalidade do Mal". Em sua fala,
Correia faz algumas considerações sobre o ensaio "Responsabilidade
moral sob ditaduras totalitárias", no qual Arendt aborda questões
sobre a obediência e a não participação.
Segundo o professor, Arendt compreendia que, em uma
ditadura totalitária, "a resistência ativa era praticamente interditada,
mas era possível não se engajar, não ser cúmplice, por irreflexão ou
oportunismo [...]. Ela insiste que os que disseram ‘não’ foram seguramente os
que faziam companhia a si mesmos pelo pensamento e prezavam essa companhia
acima de tudo. Nessa atitude [...] reside a expectativa de que os líderes
totalitários sejam enfraquecidos por pessoas que não se deixam levar pelo que
está vigendo simplesmente porque prevaleceu".
Embora a nossa época não apresente as mesmas características
das décadas de 1930 e 1940, ainda assim, as reflexões de Arendt sobre a
possibilidade de responsabilidade moral do indivíduo em situações políticas
extremas permanecem relevantes, pois elas reiteram a importância de mantermos
certo grau de ceticismo com relação àqueles posicionamentos em que muitos
acreditam enxergar seja o espírito do nosso tempo, seja o inevitável curso da
história.
No texto de Arendt mencionado por Correia, ela comenta que
os céticos e os rebeldes foram muitos mais difíceis de se deixar influenciar
pela sanha de regimes totalitários do que aqueles que estavam acostumados a
adotar sem pensar qualquer posicionamento tido por convencional ou respeitável.
"Tendemos a pensar que as pessoas que têm o hábito de
examinar proposições e padrões fundamentais são destrutivas. Temos todos os
motivos para mudar de ideia sobre esse assunto. Os que duvidam e os céticos são
mais confiáveis, não porque duvidar seja saudável ou o ceticismo seja bom, mas
porque essas pessoas estão acostumadas a formar suas próprias opiniões — a
viver consigo mesmas."
Deixo aqui, portanto, a minha recomendação para que todos
assistam às gravações do evento e leiam o ensaio "Responsabilidade
moral sob ditaduras totalitárias", traduzido pelo professor Adriano
Correia e disponível no site da revista acadêmica Cadernos Arendt.
*Escritora, doutora em filosofia e literatura alemã pela
University College Cork e mestre em filosofia pela Universidade de Tel Aviv


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