Melhora na popularidade vai manter aliados com Lula, diz
o novo presidente do PT, Edinho Silva
Alinhado ao ministro Sidônio Palmeira, da Secretaria de
Comunicação, Edinho reconhece a crise de popularidade do governo, mas diz estar
“confiante” de que a aprovação do presidente vai crescer no 2º semestre
Eleito com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, o novo presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Edinho
Silva, disse ao Valor, na primeira entrevista exclusiva após a
divulgação do resultado da eleição petista, que, antes de tomar posse, vai
procurar dirigentes e líderes partidários da base para deflagrar as conversas
sobre os palanques para 2026 e tentar reeditar a frente ampla
de 2022. “Temos que consolidar rapidamente um diagnóstico, Estado por Estado.”
Ele vai ser o responsável por coordenar a campanha de
Lula à reeleição. Alinhado ao ministro Sidônio Palmeira,
da Secretaria de Comunicação da Presidência, Edinho reconhece a
crise de popularidade do governo, mas diz estar “confiante” de que a aprovação
do presidente vai crescer já no segundo semestre. A se confirmar esse quadro,
diz que a “perspectiva de vitória” vai conter a eventual debandada de aliados.
Conhecido pelo estilo conciliador, ele chega ao posto num
clima de tensão política, em pleno confronto do governo com
o Congresso, após a derrota imposta a Lula no episódio do Imposto
sobre Operações Financeiras (IOF). Ele rebateu críticas de que o PT
estaria estimulando a divisão da sociedade.
“Achar que impõem uma derrota ao Lula e que isso não
teria reação é muita ingenuidade, mas não significa que ele tenha aberto mão do
diálogo.”
Próximo do ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, ele disse que o PT não terá uma postura passiva sobre a economia,
mas “não vai trabalhar contra o governo”. Igualmente ligado ao presidente do
Banco Central, Gabriel Galípolo, Edinho criticou os juros
altos, mas defendeu o “voto de confiança” no chefe da política
monetária.
Quatro vezes prefeito de Araraquara (SP) e
ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) de Dilma
Rousseff, Edinho assume o PT após o mandato de oito anos de Gleisi
Hoffmann, hoje ministra da articulação política, e de cinco meses do senador
Humberto Costa (PE), que comandará a transição no cargo. A posse dele
ocorrerá no início de agosto.
Representante da tendência hegemônica Construindo um
Novo Brasil (CNB), Edinho também terá de pacificar o PT, que saiu rachado
da eleição nacional. O principal embate interno ainda mira o controle da
Secretaria de Finanças, hoje com Gleide Andrade, aliada de Gleisi.
A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: Qual a sua prioridade
nesse começo de gestão?
Edinho Silva: Reorganizar o partido, no sentido
de construirmos um PT que dê conta dos desafios imensos que estão colocados, de
um partido que dialoga com a sociedade, tem um projeto de país, e tem de
enfrentar um pensamento crescente de inspiração fascista.
Valor: O senhor fala do avanço da extrema
direita no mundo?
Edinho: Infelizmente estamos vendo isso no mundo
todo, não dá para minimizar o que estamos vendo em relação aos imigrantes nos
Estados Unidos. O crescimento desse pensamento tem reflexo na política
brasileira. A tentativa de golpe no 8 de janeiro teve concepções fascistas, uma
organização planejou matar o presidente da República, o vice e o presidente do
Tribunal Superior Eleitoral.
Valor: E qual o papel do PT nesse cenário?
Edinho: É um partido que se dispõe a defender a
democracia, o fortalecimento das instituições, do ponto de vista da
consolidação de um país democrático. Só um partido muito forte e organizado
pode dar conta desse desafio.
Valor: Qual a estratégia para as eleições?
Edinho: Temos que consolidar rapidamente um
diagnóstico, Estado por Estado, e pensar em uma política de alianças que dê
sustentação para reeleger Lula.
Valor: Vai ter embate com aliados pelas
cabeças de chapa?
Edinho: O PT não tem possibilidade de ser
hegemônico nas eleições, seria falar algo que não tem base na realidade. Onde o
PT tiver condições de fazer disputa, teremos candidatos. Onde não tiver, temos
que priorizar o diálogo com nossos aliados históricos.
Valor: A reeleição de Lula é prioridade?
Edinho: Ela é central para esse processo de
reconstrução do país.
Valor: Não tem um plano B?
Edinho: Não tem. Sem a reeleição de Lula o
retrocesso para o Brasil será gravíssimo do ponto de vista da reconstrução das
políticas públicas, de um projeto de país, e do risco de abrirmos espaço para o
avanço do fascismo.
Valor: O PT está sendo criticado, até por
aliados, de investir no debate ricos x pobres e estimular a divisão na
sociedade. Como responde a isso?
Edinho: Não acho que seja um debate de ricos
contra pobres. O que eu acho é que temos uma sociedade de privilégios, de
supersalários. Por que tem servidor público recebendo R$ 100 mil, enquanto a
maioria dos brasileiros não ganha nem R$ 2 mil? A gente vai continuar
desonerando setores da economia que não precisam ser desonerados? Não é rico
contra pobre, é sobre combater privilégios.
Valor: O Congresso também questiona o modelo
do governo de equilibrar as contas pelo aumento da receita e não pelo corte de
gastos, como foi o caso do IOF. Como vê essa cobrança?
Edinho: Não é correto dizer que o aumento do IOF
eleva a carga tributária. No governo Bolsonaro, a alíquota era de 6% e ninguém
falava de aumento da carga tributária. O governo quer debater que país
queremos, um país de privilégios ou de igualdade social? O Brasil não pode
conviver com R$ 800 bilhões de renúncia fiscal, vamos debater quais setores
estão sendo beneficiados.
Valor: Qual sua proposta?
Edinho: A renúncia fiscal tem que ter um
sentido. Hoje você tem grandes corporações sendo desoneradas, mas o pequeno e o
médio empresário, o empreendedor e o assalariado pagando impostos. Não pode
existir setores beneficiados sem um limite temporal.
Valor: Na esteira desse debate, Lula está
sendo acusado de fazer uma guinada à esquerda e dar as costas à frente ampla
que o elegeu. É possível abrir mão dessa frente ampla novamente?
Edinho: O Lula é o Lula, ele não saiu do lugar
dele, continua defendendo o mesmo Brasil de sempre. Mas diante da derrota
imposta ao governo pelo Congresso [que suspendeu o decreto do IOF], é evidente
que tinha que ter uma reação. Lula é um presidente forte, não é o Jair
Bolsonaro, não é o Michel Temer. Achar que impõem uma derrota ao Lula e que
isso não teria reação é muita ingenuidade. Ele reagiu porque não lhe sobrou
outro caminho, mas não significa que tenha aberto mão do diálogo.
Valor: E como vai ficar a frente ampla, num
cenário em que partidos do Centrão planejam desembarcar do governo?
Edinho: Quero conversar com o senador Humberto
Costa, vamos fazer uma transição, e juntos, vamos procurar os presidentes dos
partidos que fazem tradicionalmente alianças conosco, e também buscar as
lideranças que garantiram a vitória de Lula em 2022.
Valor: Isso será suficiente para conter a
debandada?
Edinho: Talvez criar espaços de diálogo
constante para que a gente possa não só procurar os aliados às vésperas do
período eleitoral, mas começar a conversar a partir de agora, colher opiniões.
Valor: Defende que Geraldo Alckmin seja
mantido na vaga de vice?
Edinho: Acho o Alckmin uma liderança fundamental
para o Brasil. Agora, o prefeito de Recife, João Campos, acabou de assumir o
PSB, temos que abrir um diálogo com ele.
Valor: Como será o cenário em 2026 pela ótica
da oposição? Uma eventual prisão de Bolsonaro influenciará a campanha?
Edinho: Acho que eles têm um problema imenso
porque não têm nome. E o que simboliza esse campo é o ódio, a sociedade está
saturada dessa intolerância, da manifestação homofóbica, racista. Mas eu acho
que a gente não tem que se preocupar de que forma eles vão resolver essas
contradições, temos que nos preocupar com a nossa construção política.
Valor: E quem o senhor acha que vai ser o
adversário de Lula?
Edinho: Eu acho que eles estão com muitos
problemas...
Valor: Mais do que vocês?
Edinho: Nós somos o governo. Claro que é
necessário melhorar a popularidade do presidente. Não estou dizendo que isso
não seja importante.
Valor: Como fazer isso?
Edinho: Dialogando com a sociedade. A comparação
dos resultados do governo Lula com o governo Bolsonaro é uma coisa
impressionante. A gente tem que fazer a sociedade enxergar esses resultados.
Valor: Então existe um problema de
comunicação do governo?
Edinho: Jogar a responsabilidade toda sobre a
comunicação não é justo, porque a comunicação comunica o que a política define.
O que nós precisamos é aprimorar a nossa linha política, e nós temos muito o
que entregar. Eu estou muito confiante na melhora do governo Lula já no segundo
semestre.
Valor: O PT era cobrado de não saber usar as
redes sociais como a direita, mas conseguiu emplacar uma estratégia digital
diante da crise do IOF. Teve uma virada de chave?
Edinho: Não tem magia. Isso é outra coisa que
virou um dogma: a direita é boa de rede, a esquerda é ruim. Mas abre o
algoritmo para eu saber por que se impulsiona mais a fala de A do que a fala de
B. Por que as redes não mostram para a sociedade o algoritmo?
Valor: E o que fazer nesse impasse?
Edinho: Tem que regulamentar as redes, mas isso
não significa censura. Censura é quando você controla o conteúdo. Isso eu sou
contra. Mas quem produz “fake news” tem que responder por isso.
Valor: Hoje a avaliação é que o nome do
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é o mais competitivo da oposição,
e vai atrair os partidos de centro e da direita. Acredita que ele será
candidato à Presidência?
Edinho: O mundo político se move pela
perspectiva de vitória. Eu não tenho nenhuma dúvida de que nós vamos chegar na
virada do ano com a aprovação do governo Lula muito melhor. Então, as nossas
perspectivas de vitória em 2026 são reais. Com o governo Lula consolidando a
possibilidade de vitória, eu não acredito nesse movimento [de debandada do
centro], porque a política é pragmática.
Valor: Como vê a crise entre Executivo e o
Congresso?
Edinho: Nós estamos vivendo um momento no Brasil
de desarranjo institucional. Quando o Congresso Nacional executa R$ 52 bilhões
do Orçamento, isso não é mais presidencialismo. A Constituição Federal diz que
nós somos presidencialistas, mas a política real estabeleceu um
semiparlamentarismo, um semipresidencialismo.
Valor: E como fazer para mudar esse quadro?
Edinho: Ou a gente tem lideranças que sentem à
mesa, que criem uma agenda de interesse nacional para tirar o Brasil desse
embaralhado, ou o país vai mostrar limites daqui a pouco de instabilidade, que
vai afetar até a economia. Precisamos ter lideranças que coloquem os interesses
do país no primeiro plano, achar um ponto de equilíbrio.
Valor: Qual é esse ponto?
Edinho: De que forma a gente pode deixar o
parlamentar com o direito de indicar investimentos para suas regiões sem virar
uma descaracterização do presidencialismo? E temos que fazer reforma política
eleitoral, porque esse modelo de hoje é um dos motivos da instabilidade. Temos
que abrir o debate no Brasil sobre o voto em lista, achar um modelo que
fortaleça os partidos.
Valor: Mas a população perdeu a confiança nos
partidos.
Edinho: É melhor para a estabilidade democrática
fortalecer os partidos do que pulverizar o poder na individualidade do
parlamentar. Temos que fazer isso para salvar a democracia brasileira. E a
única liderança que tem autoridade política para fazer essa concertação que o
Brasil precisa é Lula.
Valor: Gleisi Hoffmann, quando era presidente
do PT, tinha embates com o ministro da Fazenda. Como será a sua relação com
Haddad?
Edinho: Cada um tem a sua forma de fazer
política. Quem estabelece a política econômica é o presidente Lula, e essa
política econômica é desempenhada pelo Haddad. Não há como fortalecermos o
governo Lula sem fortalecermos Haddad.
Valor: Então PT vai caminhar alinhado com
Haddad?
Edinho: Não significa também que o PT vai ser
passivo. O PT tem que ter proposta, mas não significa que vai trabalhar contra
o governo?
Valor: E a relação do PT com o presidente do
Banco Central?
Edinho: Claro que eu não fiquei feliz com a
última alta da taxa de juros. Eu achei, inclusive, que ela ficaria no mesmo
patamar. Agora, se a gente não der um voto de confiança ao Galípolo, evidente
que isso não ajuda. Acho que a gente tem que debater instrumentos para entender
melhor a lógica da condução dos juros.
Valor: Como assim?
Edinho: Eu acho que o IBGE deveria tornar
público o núcleo da inflação, e o que é impacto sazonal dos preços. Não digo
para alterar a forma de cálculo do índice, mas dizer para a população que aqui
tem 2%, 3% do que é núcleo, e 1,5% do que é sazonal.


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