Ao partir para o contra-ataque, governo e PT ao menos
deram um argumento a seus militantes, que andavam meio desnorteados
O limiar que separa um tiro em direção ao alvo e um que
acerta o próprio pé na política é bem mais tênue que noutros momentos da vida,
literais ou metafóricos. No caso da efetividade da nova versão do discurso do
“nós contra eles” adotada pelo governo Lula, o sucesso ou o fracasso da
estratégia mora em detalhes que não são descartáveis nem parecem fáceis de
calibrar diante da profunda cizânia entre o Executivo e o Congresso.
O primeiro fator essencial que poderia levar a que se desse
um tiro n’água foi notado pelos responsáveis por colocar a campanha na rua: não
adiantava o “nós” serem apenas os pobres beneficiários de políticas sociais, e
“eles” serem todo o resto da sociedade. Por uma questão de matemática básica,
Lula perderia o embate ao dividir a sociedade assim.
Daí por que a classe média, fatia maior e mais heterogênea
do bolo demográfico (e eleitoral), foi rapidamente colocada do lado de Lula no
cabo de guerra, tradução escolhida por uma das muitas peças publicitárias
lançadas para martelar a ideia.
Projetos como o que amplia a isenção do
pagamento de Imposto de Renda da Pessoa Física para quem ganha até R$ 5 mil têm
a capacidade de demonstrar que Lula governa também para essa classe média, da
qual a cada rodada de pesquisa parece estar mais afastado.
Se conseguir trazer para puxar sua corda os profissionais
liberais, os tais empreendedores que trabalham por aplicativos, os
profissionais da saúde e outros incluídos no novo esforço de comunicação, o
presidente pode, sim, lograr algum êxito em sair das cordas na disputa com um
Congresso que foi com muita sede ao pote na ânsia de tentar vencer o governo
por nocaute. O combate dá toda a pinta de que será decidido por pontos, com
cada um dos lados encaixando golpes mais ou menos efetivos ao longo dos próximos
15 meses.
Que alguma coisa se moveu, é nítido. Nas palavras de
especialistas em marketing político e pesquisas que ouvi a respeito da eficácia
da nova estratégia, ao partir para o contra-ataque, o governo e o PT ao menos
deram um argumento a seus militantes, que andavam meio desnorteados e acuados
pela sucessão de derrotas e de falta de rumo do presidente e de seus ministros.
Contribuiu para isso que, pela primeira vez desde a posse,
os vários feudos dentro do governo falam a mesma língua. Pelo menos por um
tempo, o alvo do PT deixou de ser a política econômica de Fernando Haddad, e o
ministro também fez um ajuste em seu discurso para soar “mais petista”, na
definição de um observador.
Ter gente disposta a defender seu ponto é um pressuposto da
era em que a política se faz na arena digital, mais que na praça pública
literal. Mas aqui está um dos limiares tênues de que falei na abertura do
texto: se o discurso do “nós contra eles” descambar para atos de invasão de
bancos e outros espaços dos “ricos”, como se viu em São Paulo ontem, o que
poderia ser um argumento capaz de sensibilizar uma fatia ampla da sociedade —
que as últimas ações do Congresso foram todas em causa própria ou em benefício
de lobbies poderosos — virará prova de que está de volta o PT radical. E o que
poderia ser uma virada de jogo virará do dia para a noite nova queda de
avaliação.
Da mesma forma, num momento de tantos embates no front
interno, parece desprovida de sentido a decisão do presidente de visitar
Cristina Kirchner. Aliados dizem que o gesto tem motivações pessoais, por Lula
ter enfrentado uma prisão que também classifica como injusta. Só que a política
cada vez menos tem espaço para arroubos voluntaristas, e a associação do PT à
esquerda de países como Argentina e Venezuela é um dos pratos favoritos da
extrema direita. Dar de bandeja um tema para a oposição num momento desses é,
aí sim, meter uma bala no próprio pé.


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