Assessoria diz que governador teve mais de 600 doadores e nega vínculo com pecuarista que deu R$ 500 mil em 2022
São Paulo Uma das principais doadoras da campanha
de Tarcísio
de Freitas (Republicanos) na eleição de 2022 é investigada pela Polícia
Federal no Paraná sob suspeita de envolvimento em um esquema de
lavagem de dinheiro do PCC (Primeiro
Comando da Capital).
A pecuarista Maribel Schmittz Golin, 59, que doou R$ 500 mil
para a campanha eleitoral do atual governador de São Paulo, é
citada pela PF em ao menos quatro transferências financeiras com Willian Barile
Agati, apontado como integrante da facção criminosa paulista —e um dos
principais alvos da Operação
Mafiusi, deflagrada em dezembro do ano passado.
Em nota, a assessoria de Tarcísio diz que ele teve mais de
600 doadores na eleição e que não tem vínculo com Maribel nem conhecimento de
possíveis condutas sem relação com a campanha. O valor doado por ela foi o
sexto maior dentre todos os financiadores do governador.
Maribel disse à Folha que sua assessoria se
manifestaria sobre o caso, mas ninguém retornou. Em uma breve troca de
mensagens por WhatsApp, ela negou qualquer ligação com os crimes apurados pela
PF. "Não tenho nenhum tipo de envolvimento com isso", escreveu.
O controle financeiro da campanha de Tarcísio foi feito pelo
cunhado dele, Maurício Pozzobon Martins. Pouco após tomar posse, o governador
tentou empregá-lo no Palácio dos Bandeirantes, mas recuou depois de críticas
sobre nepotismo. Atualmente, ele trabalha
no gabinete do deputado estadual Danilo Campetti (Republicanos),
bolsonarista aliado do chefe do Executivo estadual.
Maribel fez dois repasses à campanha de Tarcísio. O primeiro
foi em 26 de agosto de 2022, de R$ 100 mil, por Pix. O segundo, em 6 de
outubro, já no segundo turno, de R$ 400 mil, por transferência eletrônica,
segundo dados declarados à Justiça Eleitoral. Ela não repassou dinheiro a mais
nenhum outro candidato.
A apuração da PF que cita a pecuarista mirou o envio de
cocaína do PCC pelo porto de Paranaguá (PR) para a Europa, em parceria da
facção com a ’Ndrangheta, máfia italiana originária da Calábria. O relatório
policial cita Maribel oficialmente na lista de "investigados".
Preso
em janeiro em São Paulo, Barile foi denunciado à Justiça Federal paranaense
em fevereiro deste ano, com outras 13 pessoas, sob acusação de tráfico de
drogas, associação para o tráfico, obstrução à Justiça e organização criminosa.
Ele foi identificado a partir da apreensão de dois
contêineres, em 2020, no porto paranaense, que levariam 554 kg de cocaína para
o porto de Valência, na Espanha.
Ao rastrear as informações do carregamento, a PF seguiu as
transações financeiras da quadrilha, mapeando um amplo esquema de lavagem de
dinheiro do PCC, cujo detalhamento foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
A PF chegou à doadora da campanha de Tarcísio a partir desse
rastreamento, verificando a origem e o destino do dinheiro que passou pelas
contas de Barile.
Uma das transações suspeitas entre os dois foi a venda de um
apartamento de R$ 3 milhões, em Santo André (SP), cujo valor venal era de R$
881 mil. Em outra, também em Santo André, em 2021, um imóvel com valor venal de
R$ 106 mil foi registrado como vendido por R$ 250 mil — mais do que o dobro.
A investigação rastreou ainda três transferências entre
quatro empresas de Maribel e Barile, que somam R$ 3,5 milhões.
"Em conclusão, a fim de não se estender sobre as
comunicações do RIF [Relatório de Inteligência Financeira], é crucial enfatizar
que Maribel Schmittz Golin mantém uma relação próxima com Willian Barile
Agati", diz o relatório da PF.
"As transações comunicadas no RIF sugerem fortemente a
ocorrência de lavagem de dinheiro clássica, relacionada a imóveis. Por exemplo,
as diferenças significativas entre os valores de avaliação fiscal e os valores
declarados nas transações envolvendo esses indivíduos levantam suspeitas de
atividades ilegais."
Diante da pista de que a pecuarista pudesse estar atuando
para lavar dinheiro do tráfico de drogas, a PF ampliou o rastreamento das
transações financeiras de Maribel.
Os policiais descobriram que ela possuía quatro empresas,
todas sem nenhum funcionário registrado, mas que movimentaram mais de R$ 1,4
bilhão entre 2020 e 2022, chamando a atenção dos investigadores.
Nenhuma das duas doações à campanha eleitoral é mencionada
na investigação, e não há nenhuma citação nem ao nome de Tarcísio nem à
campanha dele no relatório policial.
As investigações continuam em andamento na PF do Paraná, em
fase de inquérito. A Justiça analisa a denúncia do MPF (Ministério Público
Federal) contra Barile e outros envolvidos no tráfico de drogas e na lavagem de
dinheiro.
Um dos integrantes da investigação, ouvido pela Folha,
destacou que o montante bilionário movimentado pela pecuarista segue sob
análise, mas que a PF, por questão de competência, buscou focar as
movimentações que podem ter relação com o tráfico de drogas.
Há movimentações entre Maribel e o pastor
Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, que também são
suspeitas de ocultar crimes de lavagem de dinheiro.
Um colaborador da PF disse, em depoimento, que Barile atuava
com Joselito Golin, marido de Maribel, e que ele "esquentava dinheiro
dentro da igreja do pastor Valdemiro", segundo trecho do relatório
policial.
A reportagem procurou o pastor, por meio de sua igreja, para
ouvi-lo sobre o caso. Um dos advogados da Mundial disse que, caso quisessem
comentar, retornariam —o que não ocorreu até a publicação deste texto.
Joselito e Maribel fazem parte do Grupo Golin, conglomerado
pecuarista presente nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. A organização
ganhou destaque há duas décadas por ter adquirido as Fazendas Reunidas Boi
Gordo pouco antes de a empresa falir, revelando um esquema de pirâmide
financeira que lesou milhares de investidores. O caso teve repercussão porque a
Boi Gordo fazia propaganda no intervalo da novela "Rei do Gado", da
Globo.
A reportagem perguntou ao Palácio dos Bandeirantes se
Tarcísio conhece ou já esteve com Maribel, se sabe da origem dos recursos
destinados à campanha e se sabe por que ela trabalhou por sua eleição.
Como resposta, recebeu a seguinte nota: "a campanha de
Tarcísio de Freitas contou com mais de 600 doadores e foi conduzida com total
respeito às leis eleitorais. O governador não possui qualquer vínculo com a
doadora citada, bem como conhecimento prévio sobre possíveis condutas que não
dizem respeito à campanha. A prestação de contas foi analisada e aprovada pela
Justiça Eleitoral sem nenhuma pendência neste sentido".


Nenhum comentário:
Postar um comentário