quarta-feira, 2 de julho de 2025

POLÍTICOS VIVEM EM 2026, MAS O POVO NÃO

Vera Magalhães, O Globo

Faltam pragmatismo, sentido de urgência e responsabilidade institucional na guerra de narrativas entre o governo e o Congresso

Os políticos decidiram se transportar direto para 2026. O problema: o povo que paga contas, vai ao supermercado e até vota não tem à disposição na Shopee uma máquina do tempo que lhe permita fazer a viagem temporal com as autoridades que têm de decidir sobre sua vida. Aí fica bem disfuncional.

Enquanto egos transitam entre Brasília e Lisboa — numa competição que lembra as mais toscas exibições de masculinidade frágil para saber quem fala mais grosso e por último —, questões bastante concretas para o bolso da população, como o preço da conta de luz, o valor a pagar em transações financeiras (não só pelos ricos, como querem fazer crer os aliados do governo) e a alíquota do Imposto de Renda (IR) ficam em suspenso.

Num regime de tripartição de Poderes, discutir qual tem razão pode ser tão inócuo quanto debater o que veio antes, o ovo ou a galinha. Se a relação entre eles for conflituosa, o ovo encarece, e a galinha some da panela — simples assim.

Faltam pragmatismo, sentido de urgência e responsabilidade institucional na guerra de narrativas que, se durar um ano e meio, poderá paralisar o país e tornar ainda mais imprevisível e irracional a escolha que parece ocupar a mente de todos os contendores: a Presidência em 2026.

É sintomático que, enquanto Lula, Haddad, Motta e Alcolumbre se engalfinham e batem à porta do STF, Jair Bolsonaro, à beira do cadafalso, comece a ler o jogo e a entender que precisa tirar o time de campo e indicar seu candidato à sucessão — em troca, desde sempre, da promessa firmada com sangue de lhe conceder graça ou indulto caso vença a eleição, claro.

No auge do julgamento da trama golpista, ganha força nos bastidores onde circulam siglas do Centrão, entre empresários e os estigmatizados expoentes do mercado, a aposta de que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, está com o cavalo encilhado para montar tão logo Bolsonaro desencarne.

Por isso o movimento de Lula no sentido de segmentar ainda mais o eleitorado e escolher ficar com uma fatia menor que a obtida em 2022 para vencer por pouco não parece ter a lógica matemática mais simples.

Pelo óbvio: Lula não perderá sua base à esquerda, que não tem alternativas no grid de candidatos, em sua maioria de centro-direita, quando não de extrema direita. Mais: ele já tem o que apresentar a essa fatia menos favorecida da população — do aumento definitivo do Bolsa Família à retomada da correção real do salário mínimo, passando pela apresentação do projeto que amplia a isenção do IR e que, pelo impacto em ampla fatia da classe média, nem o Congresso conflagrado terá como derrubar. 

O presidente precisa, portanto, reconquistar uma fatia dos territórios azuis que ocupou em 2022, representados no palanque pela presença de figuras como Simone Tebet, Arminio Fraga, João Amoêdo e outros tantos a quem seria (mais um) tiro no pé demonizar e repelir.

A ideia de um Congresso que governa para o “BBB” — bancos, bets e bilionários — pode soar genial como briefing de publicidade e lacração nas redes sociais, mas significa empurrar todos eles, além de quase todo o abecedário das siglas partidárias, para o colo do candidato que Bolsonaro parece cada vez mais propenso, pela falta de opções e pela condenação iminente, a indicar.

Esse acelerador do tempo para o fuso horário eleitoral não é de interesse de nenhum governo, quanto mais de um em franca decadência de popularidade e governabilidade. E sobrecarregar o STF, já marcado por amplo espectro da sociedade civil como “partidário” ou “enviesado”, também não é nada estratégico. Ficar 16 meses, tempo que falta para a eleição, batendo na tecla já meio desafinada do “nós contra eles” pode ajudar não Lula, mas “eles”, justamente no momento que deveria ser de oblívio de Bolsonaro.

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