Para os Bolsonaros, Tarcísio é um patrimônio estadual e uma
ameaça federal
No final de 2018, um coronel amigo de Bolsonaro sugeriu-lhe
que conversasse com Tarcísio de Freitas. Ele havia sido um aluno estelar do
Instituto Militar de Engenharia, esteve no Exército e, no governo de Dilma
Rousseff, comandara uma “faxina ética” no Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes, o DNIT.
Bolsonaro recebeu Tarcísio pela manhã e pediu que voltasse à
tarde. No novo encontro, convidou-o para ser ministro da Infraestrutura. Não há
precedente histórico de um desconhecido ter sido convidado para esse cargo
dessa maneira.
O carioca Tarcísio era um ministro correto, quando Bolsonaro
lhe disse que deveria disputar o governo de São Paulo.
Refletindo, foi à Pauliceia e ouviu uma lista de sábios. Só um, Delfim Netto,
disse-lhe que fosse em frente, pois seria eleito.
É comum que se registre a lealdade de
Tarcísio como se fosse um defeito de bolsonarista. É apenas lealdade, e devida.
A iniciativa do governador de São Paulo de abrir negociações
com a embaixada americana incomodou a copa de Jair Bolsonaro. Seu filho Eduardo
zangou-se:
— Nós já provamos que somos mais efetivos até que o próprio
Itamaraty. O filho do presidente, exilado nos Estados Unidos. [Tarcísio] queria
buscar uma alternativa lateral. É um desrespeito comigo.
A queixa tem uma origem expressa, e outra embutida. Na
expressa, os Bolsonaros veem nas sanções de Trump um caminho para a anistia e
consequente elegibilidade do ex-presidente. O governador de São Paulo vê nessas
mesmas sanções um golpe na economia do estado. Na origem embutida, se Tarcísio
for candidato a presidente em 2026 e ganhar, o sobrenome Bolsonaro se arrisca a
virar nota de pé de página. Para os Bolsonaros, o governador é um patrimônio
estadual e uma ameaça federal.
Tarcísio e seus principais conselheiros querem ficar fora da
disputa de 2026. (Ou dizem que querem.) Sua reeleição é provável, e ele gosta
de viver no Palácio dos Bandeirantes.
Ainda é cedo para saber quem ganha e quem perde na política
brasileira com as sanções de Trump. Tendo vestido o boné do trumpismo e
buscando um atalho para as negociações, Tarcísio pôs um pé em cada panela.
A questão da lealdade a Bolsonaro será uma carga que deverá
carregar. Até quando, não se sabe.
Em 1940, quando Hitler invadiu a França, um general
comprido desceu em Londres. Sem eira
nem beira, ganhou espaço para ler uma mensagem aos franceses. (A BBC apagou a
gravação da fala.) Havia quem achasse que De Gaulle era um pseudônimo. De
saída, deram-lhe umas salas num prédio da Scotland Yard. Em 1941, o
primeiro-ministro inglês, Winston Churchill, achava-o doido. O presidente
americano Franklin Roosevelt detestava-o.
Em 1944, De Gaulle voltou a Paris. A tropa francesa havia
entrado na cidade como complemento da americana.
Passaram os anos, De Gaulle governava a França, vetou a
entrada da Inglaterra no Mercado Comum Europeu e afastou-se parcialmente da
aliança militar americana. Quando lhe lembraram quanto ele devia aos dois
países, contam que respondeu:
— A ingratidão é um dever do governante.


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