Corações partidos diante de mais de 61 mil mortes e 146 mil
feridos encontram-se com uma nova tragédia em Gaza: Israel decidiu
ocupar militarmente a região. O principal alvo é a cidade de Gaza, ao norte da
Faixa. Mais de 1 milhão de pessoas terão de deixar suas casas de agora até 7 de
outubro. Para onde vão, como comerão?
Existem apenas quatro pontos de distribuição de comida.
Cerca de 1.400 palestinos foram fuzilados perto desses postos. Apenas 1,5% das
terras agrícolas não foram destruídas. Só a ajuda de fora pode conter a fome.
Netanyahu chegou a negar essa fome, mas foi contestado pelo
próprio Trump. É impossível ignorar a imagem das crianças esquálidas. O que
acontecerá nas próximas semanas não só pode acentuar o isolamento internacional
de Israel, como reacender uma importante tradição local: o intenso debate sobre
o futuro do país.
Alguns sinais são públicos: o chefe do Estado-Maior do
Exército, Eyal Zamir, já expressou sua oposição às novas manobras militares:
— Continuaremos a expressar nossas posições sem medo, de
forma pragmática, independente e profissional.
A divergência está aberta. A posição do Exército é cercar as
zonas onde podem estar os reféns, enfraquecer o Hamas e
libertá-los. O Centro Moshe Dayan de Estudos do Oriente Médio e da África
parece também ter a compreensão de que é impossível, ao mesmo tempo, destruir o
Hamas e libertar os reféns. O próprio Clausewitz, o grande teórico da guerra,
não recomendaria um claro desalinho entre objetivo estratégico e ação militar.
Mas a coligação de direita insiste nessa aventura,
submetendo as forças militares já exaustas a uma guerra de guerrilhas nos
escombros da cidade. Israel já perdeu meia centena de soldados em Gaza.
Dezesseis se suicidaram. Enquanto isso, os reféns esquálidos aparecem em
imagens vazadas pelo Hamas cavando a própria cova.
Um dos objetivos do governo de Israel ao decidir pela
ocupação é entregar a Faixa de Gaza a uma administração independente do Hamas e
da Autoridade Palestina. Esse é o objetivo manifesto. No entanto a destruição
pode tornar a vida impossível para os 2,1 milhões de palestinos.
Nesse caso, estaríamos mais perto do sinistro sonho de Trump
de fazer da região um espaço para o turismo de luxo. E mais longe da proposta
da existência de dois Estados independentes. A esperança está na opinião
internacional, na resiliência dos palestinos e na própria riqueza política da
oposição em Israel.
Já houve manifestações de 500 mil pessoas depois da morte de
seis reféns, e a História recente registra uma greve geral, pouco antes da
guerra em Gaza, que obrigou Netanyahu a recuar de sua proposta para o
Judiciário que ameaçava o Estado de Direito.
O problema são as próximas semanas, talvez meses. Antes de
as coisas melhorarem, ainda piorarão muito, e a tragédia em Gaza é uma
devastação cotidiana da sensibilidade mundial, diante de crianças famintas,
reféns esquálidos e gente morrendo fuzilada na fila de distribuição de comida.
Artigo de publicado no jornal O Globo em 12 / 08 / 2025


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