Boa parte do aumento das despesas federais veio da PEC da
Transição
Equilíbrio das contas públicas não deve caber somente à
União
A Folha publicou uma reportagem no dia 21
passado com o seguinte título: "Fazenda
estima que R$ 76,5 bi em despesas para 2026 são herança do governo Bolsonaro".
Ela tem como base os cálculos de um estudo preparado pela Secretaria de
Política Econômica (SPE). São cálculos parecidos com alguns que eu preparei e
foram publicados no blog do Ibre no começo de setembro. A
diferença é que eu fiz as contas olhando para o impacto em meados de 2025, ao
passo que as contas da SPE correspondem ao impacto esperado em 2026. Eu também
incluí o forte aumento das emendas parlamentares a partir de 2020.
Muitos analistas criticaram o ministro Fernando Haddad,
dizendo que ele coloca toda a responsabilidade pelos resultados fiscais ainda
deficitários nos governos anteriores ("herança maldita"),
menosprezando o impacto de decisões tomadas pelo atual governo. Acho que a
verdade está no meio do caminho.
Sim, parte relevante do aumento das
despesas federais nos últimos dois anos e meio decorreu da chamada PEC da
Transição, aprovada no final de 2022 e que reajustou os gastos do governo
federal em cerca de R$ 170 bilhões. Foi um valor bem maior que os R$ 70 bilhões
a R$ 100 bilhões necessários para acomodar o valor de R$ 600 do Bolsa Família (prometido
por todos os candidatos à Presidência nas eleições de 2022) e para recompor
algumas despesas discricionárias que estavam em níveis críticos.
Ademais, o próprio indexador das despesas do arcabouço
fiscal introduzido a partir de 2024, com uma alta real de 2,5% ao ano (teto do
intervalo), parece ser elevado para uma economia com crescimento potencial de
cerca de 2% e 2,5% e que ainda possui déficit primário (quando precisaríamos de
um superávit de pelo menos 1% a 1,5% do PIB todos os
anos para estabilizar a relação entre a dívida pública e o PIB).
A despeito disso, o ministro Haddad tem razão em chamar a
atenção para o impacto nada desprezível sobre as contas públicas, hoje, de
decisões (ou a ausência delas) tomadas em governos anteriores.
Em 2017, por exemplo, o governo federal perdeu a disputa
envolvendo a chamada "tese do século", com o STF apontando a
inconstitucionalidade do ICMS na base de incidência de PIS e Cofins. Isso
geraria dois impactos sobre as contas públicas: uma redução das receitas
recorrentes com PIS/Cofins e a materialização de um gigantesco passivo
contingente ("esqueleto fiscal").
Qual foi a reação dos governos anteriores diante disso?
Nenhuma. Vale notar que, até hoje, essa decisão vem impactando as contas
públicas, subtraindo, nos meus cálculos, algo como 0,9% do PIB de arrecadação
bruta via excesso de compensações tributárias. Esse impacto negativo somente
deverá cessar entre 2026 e 2027.
Uma outra decisão, tomada pelo Congresso em 2020, me pareceu
ainda mais grave. Foram aprovadas a prorrogação e um aumento dos valores dos
repasses da União para o Fundeb, saindo de cerca de R$ 20 bilhões por ano entre
2011 e 2020 para quase R$ 70 bi entre 2021 e 2026 (valores a preços de hoje).
Como era uma despesa que estava fora do teto de gastos anterior (EC 95/2016), o
Congresso deveria ter apontado uma fonte de financiamento via receitas para
esse aumento de despesas, de modo a não impactar o resultado fiscal. Mas isso
não aconteceu.
Algo semelhante aconteceu no episódio da prorrogação e
ampliação da desoneração da folha pelo Congresso, no final de 2023 (que
mereceu uma
coluna minha há alguns meses).
Como já argumentei antes neste espaço, a responsabilidade
pelo equilíbrio das contas públicas não deve caber somente à União.


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