Não comentar a escolha de María Corina institucionalmente
corresponde a apoiar Maduro Diga-me com quem andas
O silêncio oficial do governo brasileiro diante do Prêmio
Nobel da Paz concedido à oposicionista venezuelana María Corina Machado é a
expressão da dificuldade que tem em criticar governos de esquerda, mesmo
ditaduras como a de Maduro. Essa situação foi criada pelo próprio governo.
Lula enviou para acompanhar as eleições venezuelanas o
assessor especial Celso Amorim, que assistiu impávido às irregularidades
ocorridas na campanha — quando María Corina foi impedida de se candidatar — e
na apuração. Maduro garantiu a ele e a Lula que liberaria os boletins de urna
para provar que vencera limpamente as eleições, e isso jamais aconteceu. O
governo brasileiro não teve forças para admitir que as eleições foram
fraudadas, como fizeram diversos governos democráticos ao redor do mundo, e esquivou-se
de romper relações com a ditadura de Maduro.
Alguém tem dúvida de que, se a situação
fosse inversa, com um ditador de direita roubando as eleições vencidas por um
candidato de esquerda, o governo Lula agiria de outra forma, denunciando as
irregularidades e exigindo a posse do vencedor?
A oposição afirma que o ex-diplomata Edmundo González
Urrutia recebeu 70% dos votos, e o governo Maduro não conseguiu mostrar a
planilha de apuração confirmando as desconfianças internacionais de que perdeu
a eleição. O governo brasileiro exigiu a divulgação dos dados oficiais e não
foi atendido. Mesmo assim, não rompeu com o governo Maduro. Embora este tenha
feito duras críticas a Lula, ele não teve a coragem de contestar a suposta
vitória de Maduro. As relações foram congeladas, mas o governo brasileiro nunca
fez ataques diretos ao resultado do pleito.
Depois da vitória de María Corina no Nobel da Paz, um velho
sonho de Lula e do presidente americano, Donald Trump, não houve um comentário
oficial do governo brasileiro, mesmo sendo este um prêmio em defesa da
democracia e dos direitos humanos na América Latina. Amorim ainda criticou a
escolha, alegando que se fundamentou numa atitude política que poderá estimular
a invasão da Venezuela. Referia-se ao cerco militar que os Estados Unidos
impõem ao país, sob a alegação de combater o tráfico de drogas.
Embora seja uma preocupação legítima, ela não pode se
sobrepor ao fato mais importante: premiar uma líder feminina que continua
escondida no país defendendo a democracia. Só o fato de Corina estar escondida,
com receio de ser presa pelas forças do governo que a perseguem, já mostra qual
lado é o correto nessa disputa. O candidato vitorioso, González Urrutia, está
exilado na Espanha. Claro que o Nobel da Paz sempre teve cunho político,
exaltando personagens internacionais que lutam a favor da liberdade de expressão,
como os jornalistas Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitry Muratov, da Rússia; a
defesa dos direitos humanos, como a paquistanesa Malala Yousafzai; diversos
governantes que se destacaram por intermediar a paz em diversos pontos do
mundo; e associações civis que atuam em situações de guerra e conflitos.
São todas premiações com caráter político, que enviam
recados internacionalmente. Não comentar a escolha de María Corina
institucionalmente corresponde a apoiar Maduro e enviar um recado ao mundo de
que, aqui na América do Sul, uma das maiores democracias do mundo não leva em
conta os abusos cometidos por parceiros ideológicos. Ser parceiro de ditaduras
como a venezuelana ou a cubana, sem que exista sequer uma desculpa econômica
para justificar o apoio, como alegam os Estados Unidos para sua amizade com a Arábia
Saudita, é colocar a ideologia política à frente dos valores democráticos. Tão
criticável quanto colocar a economia à frente deles.
P.S. A coluna volta a ser publicada no dia 4 de novembro.


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