Um número anômalo de estranhos opina sobre a educação
brasileira. Querem ensinar para controlar, dominar e tolher o educador em sua
missão libertadora
Já passou o tempo em que havia no Brasil uma categoria de
pensadores definidos como educadores. Eles se preocupavam com os objetivos da
educação no marco das funções sociais que ela deve ter. Preocupavam-se também
com as técnicas e métodos de ensino, com os aspectos propriamente pedagógicos
da tarefa educativa.
Essas preocupações começaram mais ou menos pela época do
nascimento da República e resultavam de uma visão social da missão do educador,
a de formar o cidadão de um país que acabara de sair da escravidão e da
monarquia, o país dominado por uma visão retrógrada do mundo.
Uma sociedade que, mesmo após a abolição da escravatura,
continuou a desvalorizar o trabalho e a pessoa do trabalhador. Sendo os
destinatários da educação filhos de pessoas juridicamente livres, mas
socialmente coisificadas.
Educar as novas gerações numa sociedade
assim põe o educador em face de alunos que não nascem para a liberdade, mas
para a alienação das formas disfarçadas de minimização do trabalho e do
trabalhador. Não nascem para o futuro, mas para o passado que persiste e
subjuga.
Nascem para repetir o que já são, e não para ser
ressocializadas nos marcos de referência de uma sociedade que pode e precisa se
transformar no processo de superação de suas contradições e irracionalidades.
Para se desenvolver econômica e socialmente e ampliar as bases do bem comum.
Aqui, o educador se forma para a missão de um confronto
cultural destrutivo e transformador contra o atraso. Atraso que, ao criar e
multiplicar o número de ignorantes, multiplica o de pobres e neles empobrece a
sociedade inteira.
Os educadores já tiveram uma visão de sua missão como missão
para revolucionar o país, a de educar para libertar e, portanto, para
civilizar. Mas a alfabetização era apenas uma ferramenta. Ainda nos anos 1960,
no Alto e Médio Paraíba, encontrei pessoas que sabiam assinar o nome, que
haviam feito o curso primário rural, isto é, de três anos, mas que não sabiam
ler porque esqueceram como se lê. Como se tivesse nascido no lugar errado, o
alfabetizado se desalfabetizava.
A alfabetização só tem sentido em sociedade em que ler e
escrever sejam necessidades sociais cotidianas, como comer, para reproduzir-se
e viver.
Somos ainda um dos países em que o diploma é um fetiche e é
mais importante do que o aprendizado. Não é raro que, para extensas parcelas da
população de todas as regiões, é um documento de reconhecimento do direito de
continuar a ser o que sempre se foi, sem aprendizados transformadores do modo
de ser, pensar, perceber e participar.
Os educadores brasileiros já estiveram muito perto de ser os
protagonistas de uma grande revolução social pela educação nesse sentido. A
educação como instrumento de libertação e de alargamento da consciência social
para nela inscrever os elementos essenciais de emancipação do povo, de modo a
dele fazer protagonista da luta social pelo bem comum, cidadão.
Um beneficiário da difusão do livro. Mas sobretudo autor e
sujeito de um novo e revolucionário senso comum. Arroz, feijão e bife na mesa
todos os dias não é atendimento de necessidade social principal. Embora seja
atendimento de necessidade essencial. As pessoas, em lugar nenhum, pensam com o
estômago. Mas, sem ele, não pensam.
A verdadeira educação é a que educa, em primeiro lugar, no
domínio do conhecimento de senso comum. Constituído pela diversidade cultural
que nele inclua o básico da ciência, o básico das técnicas para dominar as
crescentes e cada vez mais complicadas condições de vida, a poesia e a
literatura, a música erudita, enfim o conhecimento que puxe cada um e todos
para cima.
O que requer que, da escola elementar à universidade, a
educação seja pública, laica e gratuita, como preconizava o inventor da
Universidade de São Paulo, Júlio de Mesquita Filho. Um modo de definir um
mínimo de referência necessário e possível da educação brasileira, não só como
quantidade de educação, mas também como qualidade de educação e modo de educar.
O avanço empresarial da educação particular cara e até
caríssima não pode ser referência da educação nacional. Nem pode ter influência
nos padrões oficiais de educação. Escolas como uma que visitei, de mensalidades
altíssimas, de várias vezes o valor do salário mínimo, a língua inglesa como
língua cotidiana dos alunos. Educação para qual sociedade? Um país em que a
maioria da população mal fala a língua portuguesa.
Um número anômalo de estranhos opina sobre a educação
brasileira. Sobre currículo e sobre métodos de ensino. Economistas, militares,
religiosos, representantes de interesses não educativos. Querem ensinar para
controlar e dominar. Querem tolher o educador em sua missão libertadora.


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