Operação no Rio vazou e mortes começaram antes de
incursão em favelas, mostra documento
Informação foi passada a agentes por homens que se
identificaram como chefes do CV no Espírito Santo
Secretário da Segurança Pública, Victor Santos, refuta
vazamento
Rio de Janeiro As forças de segurança do Rio de
Janeiro tinham conhecimento de que a operação
policial de terça-feira (28) havia vazado quatro horas antes do início
da incursão
nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte, mostra documento a que
a Folha teve acesso.
Por volta de 1h de terça, cerca de 20
homens em motos entraram em confronto com policiais militares em um
dos acessos dos conglomerados de favela. Dois deles morreram depois, no
hospital.
Ao término, dois baleados se identificaram como chefes
do Comando
Vermelho no Espírito
Santo e afirmaram aos policiais "que estavam saindo do Cpx
[complexo] do Alemão, por conta da informação vazada de que haveria operação
policial nas comunidades daquele complexos". A afirmação foi feita pelos
três policiais militares, em registro de ocorrência na Delegacia de Homicídios.
A operação, batizada
de Contenção, mirou a facção.
Questionado a respeito em entrevista coletiva na tarde desta
quinta (30), o secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor
Santos, negou que houve vazamento.
"Essa publicação da Folha de S.Paulo foi, sim, objeto
de questionamento durante a reunião, e, mais uma vez, a gente vê que se trata
de uma fake news. É impossível achar que uma operação com a mobilização de
2.500 policiais passaria despercebida. Naturalmente, alguém fica sabendo disso
pela própria movimentação que se dá em um grande complexo. O que verificamos é
que não houve vazamento, o que a gente entende como grave seria um vazamento
qualificado, ou seja, se não tivéssemos chegado ao objetivo."
"Essas mortes anteriores não fazem o menor sentido.
Todos os corpos recolhidos, seja durante a operação policial ou aqueles
apresentados pela própria comunidade no dia seguinte, vão passar por perícia,
que é capaz de identificar a causa da morte e o provável horário em que ela
ocorreu. Então, de forma técnica, no tempo certo, será possível provar que essa
matéria não é verdadeira", completou.
No relato à Polícia Civil, os policiais militares afirmaram
que realizavam patrulhamento de rotina na estrada Adhemar Bebiano, em Del
Castilho, quando avistaram aproximadamente 20 motocicletas saindo do Complexo
do Alemão. Ao perceberem a aproximação da viatura policial, o grupo fugiu em
direção à avenida Itaoca.
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Nas proximidades da estação de Bonsucesso, da SuperVia, os
homens efetuaram disparos contra três agentes —um subtenente e dois sargentos,
que revidaram com um total de 25 disparos de fuzil, ainda segundo testemunho
dos próprios policiais.
"Após estabilização do terreno, os PMs fizeram um 360º
e localizaram os referidos homens baleados/feridos, sendo que um portava um
fuzil Taurus T4 cal 5.56 nº suprimida, c/ 1 carregador e 12 munições, enquanto
o outro detinha uma pistola Glock cal 9mm c/ 1 carregador sem munições, além de
3 granadas caseiras. Os demais elementos se evadiram em direção da comunidade
de Manguinhos", diz trecho do registro.
Os agentes disseram à Polícia Civil que os baleados
"ainda apresentavam sinais vitais" e foram levados na viatura para o
Hospital Salgado Filho, onde morreram. Eles ainda não foram identificados.
Mesmo com
conhecimento de que a facção já sabia da operação, cerca de 2.500 policiais
fizeram a incursão às 5h. Ela resultou na ação mais letal da história do país,
com 121 mortes, de acordo com a contabilidade oficial.
Após o término da entrevista coletiva, o governo do Rio de
Janeiro disse me nota que a "reportagem da Folha de S.Paulo demonstra
total incompreensão sobre a complexidade logística e as obrigações legais de
uma megaoperação policial."
"A mobilização de 2.500 policiais, com dezenas de
viaturas e blindados, partindo de diferentes pontos da cidade, iniciou-se
obrigatoriamente na madrugada, muito antes das 6h. Esta movimentação é parte
inerente da estratégia de cerco e só evidencia um planejamento que, baseado na
inteligência policial, culminou no maior baque da história do Comando
Vermelho", continua o texto da gestão Castro.
"A reportagem também ignora que, em cumprimento à ADPF
635, as forças de segurança devem comunicar previamente a operação a diversas
instituições. Essa comunicação prévia a diferentes órgãos não pode ser
confundida com um 'vazamento' de informações, pois se trata do
cumprimento da lei", completa o texto.
Em abril, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que não
seria mais obrigatória a comunicação prévia às áreas de saúde, educação e
transporte. Apesar da mudança, a reportagem apurou que a Polícia Militar
continua a realizar essas notificações por meio de um sistema que avisa
simultaneamente aos órgãos. Para evitar vazamentos, porém, as comunicações são
feitas com pouco tempo de antecedência em relação ao início das operações. A PM
não respondeu se fez a notificação nesse caso.
O secretário municipal de Saúde do Rio, Daniel Soranz, por
exemplo, disse que não foi avisado. "Não soubemos da operação, em momento
nenhum recebemos esta informação oficialmente."
Também nesta quinta, o secretário de Polícia Civil do Rio,
Felipe Curi, questionou denúncias sobre
lesões em corpos e decapitações na operação. Ele afirmou que a corporação já
identificou que "alguns veículos utilizados [para resgatar os corpos] eram
roubados" e que aqueles que fizeram a remoção podem ter feito novas
lesões. "E justamente eles podem até ter feito isso para chamar a atenção
da imprensa", afirmou.
Cadáveres encontrados na mata por moradores foram levados
até uma praça central na manhã de quarta (29). No processo do resgate,
familiares denunciaram que havia dois corpos decapitados, ferimentos a faca e
outras lesões que seriam incompatíveis com tiroteios.
"Quem disse que foi a polícia que
cortou a cabeça dele? Nós instauramos inquérito para apurar o crime de fraude
processual pela remoção indevida e ilegal desses corpos", disse Curi.
Segundo o secretário de Segurança Pública, o governo
estadual se baseia em informações como o horário em que ocorreram as mortes, os
locais onde as pessoas estavam e as roupas que elas usavam para afirmar que os
civis mortos eram envolvidos com o tráfico de drogas.
Os parentes, principalmente mães, enfrentaram peregrinação
no reconhecimento dos corpos e reclamaram de supostas irregularidades da
polícia, como a falta de socorro aos baleados.
Depois, tiveram de esperar pela identificação dos corpos no
IML (Instituto Médico Legal). A Defensoria Pública do Rio afirmou ter pedido
para acompanhar as perícias, mas que foi negada a entrada no IML. A entidade
argumenta que o acompanhamento faz parte da atuação da ADPF das Favelas,
determinada pelo STF (Supremo
Tribunal Federal). A Polícia Civil afirmou que o acesso ao IML está limitado a
policiais civis e membros do Ministério
Público do Rio.


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