quinta-feira, 30 de outubro de 2025

OPERAÇÃO NO RIO VAZOU E MORTES COMEÇARAM ANTES DE INCURSÃO EM FAVELAS

Bruna Fantti, Aléxia Sousa e Nicola Pamplona – Folha deS.Paulo

Operação no Rio vazou e mortes começaram antes de incursão em favelas, mostra documento

Informação foi passada a agentes por homens que se identificaram como chefes do CV no Espírito Santo

Secretário da Segurança Pública, Victor Santos, refuta vazamento

Rio de Janeiro As forças de segurança do Rio de Janeiro tinham conhecimento de que a operação policial de terça-feira (28) havia vazado quatro horas antes do início da incursão nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte, mostra documento a que a Folha teve acesso.

Por volta de 1h de terça, cerca de 20 homens em motos entraram em confronto com policiais militares em um dos acessos dos conglomerados de favela. Dois deles morreram depois, no hospital.

Ao término, dois baleados se identificaram como chefes do Comando Vermelho no Espírito Santo e afirmaram aos policiais "que estavam saindo do Cpx [complexo] do Alemão, por conta da informação vazada de que haveria operação policial nas comunidades daquele complexos". A afirmação foi feita pelos três policiais militares, em registro de ocorrência na Delegacia de Homicídios.

A operação, batizada de Contenção, mirou a facção.

Questionado a respeito em entrevista coletiva na tarde desta quinta (30), o secretário da Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor Santos, negou que houve vazamento.

"Essa publicação da Folha de S.Paulo foi, sim, objeto de questionamento durante a reunião, e, mais uma vez, a gente vê que se trata de uma fake news. É impossível achar que uma operação com a mobilização de 2.500 policiais passaria despercebida. Naturalmente, alguém fica sabendo disso pela própria movimentação que se dá em um grande complexo. O que verificamos é que não houve vazamento, o que a gente entende como grave seria um vazamento qualificado, ou seja, se não tivéssemos chegado ao objetivo."

"Essas mortes anteriores não fazem o menor sentido. Todos os corpos recolhidos, seja durante a operação policial ou aqueles apresentados pela própria comunidade no dia seguinte, vão passar por perícia, que é capaz de identificar a causa da morte e o provável horário em que ela ocorreu. Então, de forma técnica, no tempo certo, será possível provar que essa matéria não é verdadeira", completou.

No relato à Polícia Civil, os policiais militares afirmaram que realizavam patrulhamento de rotina na estrada Adhemar Bebiano, em Del Castilho, quando avistaram aproximadamente 20 motocicletas saindo do Complexo do Alemão. Ao perceberem a aproximação da viatura policial, o grupo fugiu em direção à avenida Itaoca.

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Nas proximidades da estação de Bonsucesso, da SuperVia, os homens efetuaram disparos contra três agentes —um subtenente e dois sargentos, que revidaram com um total de 25 disparos de fuzil, ainda segundo testemunho dos próprios policiais.

"Após estabilização do terreno, os PMs fizeram um 360º e localizaram os referidos homens baleados/feridos, sendo que um portava um fuzil Taurus T4 cal 5.56 nº suprimida, c/ 1 carregador e 12 munições, enquanto o outro detinha uma pistola Glock cal 9mm c/ 1 carregador sem munições, além de 3 granadas caseiras. Os demais elementos se evadiram em direção da comunidade de Manguinhos", diz trecho do registro.

Os agentes disseram à Polícia Civil que os baleados "ainda apresentavam sinais vitais" e foram levados na viatura para o Hospital Salgado Filho, onde morreram. Eles ainda não foram identificados.

 Mesmo com conhecimento de que a facção já sabia da operação, cerca de 2.500 policiais fizeram a incursão às 5h. Ela resultou na ação mais letal da história do país, com 121 mortes, de acordo com a contabilidade oficial.

Após o término da entrevista coletiva, o governo do Rio de Janeiro disse me nota que a "reportagem da Folha de S.Paulo demonstra total incompreensão sobre a complexidade logística e as obrigações legais de uma megaoperação policial."

"A mobilização de 2.500 policiais, com dezenas de viaturas e blindados, partindo de diferentes pontos da cidade, iniciou-se obrigatoriamente na madrugada, muito antes das 6h. Esta movimentação é parte inerente da estratégia de cerco e só evidencia um planejamento que, baseado na inteligência policial, culminou no maior baque da história do Comando Vermelho", continua o texto da gestão Castro.

"A reportagem também ignora que, em cumprimento à ADPF 635, as forças de segurança devem comunicar previamente a operação a diversas instituições. Essa comunicação prévia a diferentes órgãos não pode ser confundida com um 'vazamento' de informações, pois se trata do cumprimento da lei", completa o texto.

Em abril, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que não seria mais obrigatória a comunicação prévia às áreas de saúde, educação e transporte. Apesar da mudança, a reportagem apurou que a Polícia Militar continua a realizar essas notificações por meio de um sistema que avisa simultaneamente aos órgãos. Para evitar vazamentos, porém, as comunicações são feitas com pouco tempo de antecedência em relação ao início das operações. A PM não respondeu se fez a notificação nesse caso.

O secretário municipal de Saúde do Rio, Daniel Soranz, por exemplo, disse que não foi avisado. "Não soubemos da operação, em momento nenhum recebemos esta informação oficialmente."

Também nesta quinta, o secretário de Polícia Civil do Rio, Felipe Curi, questionou denúncias sobre lesões em corpos e decapitações na operação. Ele afirmou que a corporação já identificou que "alguns veículos utilizados [para resgatar os corpos] eram roubados" e que aqueles que fizeram a remoção podem ter feito novas lesões. "E justamente eles podem até ter feito isso para chamar a atenção da imprensa", afirmou.

Cadáveres encontrados na mata por moradores foram levados até uma praça central na manhã de quarta (29). No processo do resgate, familiares denunciaram que havia dois corpos decapitados, ferimentos a faca e outras lesões que seriam incompatíveis com tiroteios.

"Quem disse que foi a polícia que cortou a cabeça dele? Nós instauramos inquérito para apurar o crime de fraude processual pela remoção indevida e ilegal desses corpos", disse Curi.

Segundo o secretário de Segurança Pública, o governo estadual se baseia em informações como o horário em que ocorreram as mortes, os locais onde as pessoas estavam e as roupas que elas usavam para afirmar que os civis mortos eram envolvidos com o tráfico de drogas.

Os parentes, principalmente mães, enfrentaram peregrinação no reconhecimento dos corpos e reclamaram de supostas irregularidades da polícia, como a falta de socorro aos baleados.

Depois, tiveram de esperar pela identificação dos corpos no IML (Instituto Médico Legal). A Defensoria Pública do Rio afirmou ter pedido para acompanhar as perícias, mas que foi negada a entrada no IML. A entidade argumenta que o acompanhamento faz parte da atuação da ADPF das Favelas, determinada pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A Polícia Civil afirmou que o acesso ao IML está limitado a policiais civis e membros do Ministério Público do Rio.

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