Combater as facções criminosas exige inteligência,
planejamento e ação organizada. O que vimos, até aqui, foi a repetição de erros
do passado
O Rio amanheceu ontem contando os mortos e o
governador Cláudio
Castro se dizendo orgulhoso e definindo como um sucesso
a operação policial mais letal do Brasil. Pior do que a sua distorção de
análise, é o fato de que o Supremo Tribunal Federal, em voto único, em abril,
mandou o Rio fazer
exatamente o contrário, ter um plano de redução da letalidade das operações.
Há ordens do STF não
cumpridas na ação no Complexo da Penha. Desde o começo da crise, o governador
tem entrado em seguidas contradições, e se corrige dizendo que fizeram má
leitura das suas declarações. No fim do dia, ontem, deu uma entrevista ao lado
do ministro da Justiça, reduzindo a tensão da crise federativa.
Durante os últimos dois dias, Cláudio Castro disse diversas
vezes que não queria a politização dos eventos. Mas politizou todo o tempo.
Ontem chegou a dizer que "quem quiser somar com Rio de Janeiro neste
momento é bem-vindo. Os outros que querem fazer confusão e politicagem, sumam.
Ou soma ou suma”. Isso foi logo depois de uma reunião online com os
“governadores de direita”. Disse que nesta reunião não se falou da PEC da
Segurança. Deveria ter falado. Afinal, a PEC cria os canais de cooperação entre
os entes federados e a União através do SUSP, o Sistema Único de Segurança
Pública. O governador do Rio sempre criticou a proposta, alegando que iria
perder autonomia. Quando o número de mortos começou a subir, no entanto, Castro
reclamou a falta de ajuda federal.
Para se ter uma medida da mudança que houve
ao longo da crise, na terça, o governador chamou a ADPF 635 de “maldita”. Ontem
à noite, depois da reunião com o ministro Ricardo
Lewandowski ,disse que a ADPF seria o “farol" das ações. Se não
fosse, seria descumprimento de ordem judicial. O STF, em abril, determinou que
o Rio reduza a letalidade, elabore um plano de recuperação territorial, e
instale câmeras corporais. Para a Polícia Federal a ordem foi abrir um
inquérito para apurar indícios de crimes de repercussão interestadual ou
internacional. E a PGR teve que criar um grupo de trabalho para acompanhar o
cumprimento da sentença.
O governo estadual agiu nas últimas 48 horas como se não
houvesse essa sentença. Tanto que a ação provocou um aumento da letalidade e
não sua diminuição, como havia determinado o Supremo. O governador disse
algumas vezes que “sozinhos não temos como vencer essa guerra”. Mas não pediu
ajuda. Inicialmente falou que tinha pedido uns blindados. De fato, em janeiro
pediu blindados, soldados para operá-los e alguns mecânicos. Como
se fosse possível fazer algo assim tão informal em uma questão séria como o uso
de recursos das Forças Armadas.
O Ministério Público, na terça-feira, pediu informações
pormenorizadas sobre a obediência às ordens do STF pelos responsáveis pela
operação. “Estamos tentando tornar os fatos mais nítidos antes de outras
providências”, me informou uma fonte.
— Ontem foi o início de um grande processo — disse o
governador, querendo dar à brutalidade da ação policial que produziu uma
carnificina, inclusive com mortes de agentes de segurança, ares de começo de
uma nova era.
O senador Randolfe
Rodrigues, líder do governo no Congresso Nacional, que entrevistei ontem na
Globonews, disse que é legítimo que os governadores de oposição discordem da
PEC da Segurança Pública, mas que deveriam, então, ter apresentado uma
alternativa.
–Se a PEC tivesse sido aprovada nós teríamos o Sistema Único
de Segurança Pública, já teríamos uma cooperação, teríamos uma Polícia Viária
Federal. A pergunta a ser feita é: qual é a melhor forma de enfrentar o crime
organizado? Com inteligência, estratégia, como a Polícia Federal fez na Carbono
Oculto ou ocupando os morros sem nenhum critério?
O Brasil vive a tragédia do crescimento das facções
criminosas e precisa encarar o problema com inteligência, planejamento e ação
organizada. No Rio é muito evidente a ocupação do território, mas hoje as
facções se espalham pelo país todo. São organizações criminosas interestaduais
e transnacionais. Só há uma forma de enfrentá-las, que é a união das forças do
Estado. O que se viu nas últimas horas foi a repetição dos erros do passado, em
operações nas quais a polícia entra atirando, os criminosos respondem atirando,
muitos morrem, a população fica refém. No fim do dia, na entrevista conjunta do
ministro e do governador surgiu a esperança
de uma cooperação federativa.


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