A crise do Master desmontou uma engrenagem de proteção
política que vinha funcionando nos bastidores de Brasília. O banqueiro Daniel
Vorcaro investiu pesado na construção de blindagem institucional
A aprovação do PL Antifacção por 370 votos a 110, em meio à
maior operação da Polícia Federal desde o início do governo Lula, pode ser um
ponto de ruptura entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da
Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que estão em rota de colisão e trocam
farpas pelas redes sociais. De um lado, uma derrota legislativa contundente em
um tema tão sensível, a segurança pública, mostrou a fragilidade da base de
apoio do governo na Câmara e pôs em xeque sua governabilidade. De outro,
revelou o grau de infiltração do Banco Master no sistema político e financeiro,
com ramificações que atingem diretamente o núcleo do Centrão que hoje comanda a
Câmara.
Acaso ou não, a coincidência temporal dos
fatos elevou a temperatura política em Brasília, que só não está mais aquecida
por causa do feriadão desta quinta-feira, Dia da Consciência Negra, dedicado a
Zumbi dos Palmares. A semana foi curta, mas o suficiente para escancarar a
deterioração acelerada da relação entre Lula e Motta. Por trás de tudo,
segurança pública e escândalos financeiros se tornaram eixos de um conflito
institucional mais profundo e de um divisor de águas eleitoral.
A crise do Master desmontou uma engrenagem de proteção
política que vinha funcionando nos bastidores de Brasília. O controlador do
banco, Daniel Vorcaro, preso quando tentava embarcar em um jatinho para o
exterior, investiu pesado na construção de blindagem institucional. Patrocinou
eventos em Londres com a participação de autoridades e parlamentares
influentes. Em Brasília, as digitais de Vorcaro apareceram em iniciativas
legislativas destinadas a fragilizar a autonomia do Banco Central, entre elas o
requerimento de urgência do deputado Cláudio Cajado (PP-BA), porta-voz da ala
do Centrão que hoje trava guerra aberta contra o Planalto.
Quando a PF deflagrou a operação que levou à prisão de
Vorcaro, as reações na política foram imediatas. A revelação de que o banco
movimentava cifras bilionárias de origem suspeita, recebia aportes de fundos de
previdência estatais e mantinha relações com alvos da Operação Carbono Oculto
acendeu todas as luzes de alerta no bloco União-PP, que domina a Câmara sob
liderança de Hugo Motta. A percepção no Planalto é de que esse setor passou a
ver a Polícia Federal como ameaça direta — o que ajuda a explicar o empenho de
Motta em fortalecer um relator alinhado à oposição para o PL Antifacção: o
deputado Guilherme Derrite (PP-SP).
A relatoria de Derrite foi o catalisador do conflito. O
governo enviou ao Congresso um projeto calibrado, que endurecia penas e
ampliava mecanismos de investigação, mas preservava competências federais.
Derrite tentou redesenhar o texto em várias versões sucessivas: quis subtrair
atribuições da PF, transferindo poderes para polícias estaduais; defendeu
conceitos jurídicos que poderiam gerar brechas para líderes de facção;
estimulou a redação de dispositivos que, na avaliação de técnicos do Executivo,
poderiam beneficiar criminosos. Para o Planalto, não se tratava apenas de
divergências técnicas, mas de um movimento político organizado para enfraquecer
a PF exatamente no momento em que operações sensíveis atingiam figuras centrais
do Centrão e do mercado financeiro.
Confronto aberto
Hugo Motta disse a que veio como presidente da Câmara ao
conduzir esse processo. Foi ele quem cacifou Derrite como relator, a pedido do
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), seu
correligionário, e ignorou olimpicamente as objeções do governo. Também mostrou
capacidade de liderança e mão firme ao aprovar, a toque de caixa, uma versão do
projeto de lei que contraria frontalmente os interesses do Executivo. A larga
margem de votos na votação final — mais de 70% da Casa — desnudou o isolamento
do governo e a força da articulação conduzida por Motta.
Para o Palácio do Planalto, o presidente da Câmara assumiu
posição de confronto deliberado, movido por uma ala do Centrão liderada pelos
presidentes do PP, Ciro Nogueira, e do União Brasil, Antônio Rueda. Ambos
tentam impor ao governo derrotas estratégicas e, simultaneamente, criar
mecanismos legislativos de contenção da Polícia Federal e blindagem dos
parlamentares enrolados nos inquéritos sobre desvio de verbas de emendas
parlamentares, que correm sob sigilo de justiça no Supremo Tribunal Federal
(STF).
A percepção de que as operações da PF poderiam avançar sobre
políticos, governadores e fundos de previdência controlados por políticos do
Centrão gerou a forte reação da Câmara, com uma narrativa política legitimadora
centrada na segurança pública.
Foi assim que o PL Antifacção tornou-se o grande pomo da
discórdia. Derrite havia dado uns três dribles a mais, mas recuou após forte
reação técnica e pressão pública para o que era essencial do ponto de vista da
oposição: deixar os crimes de colarinho-branco fora do endurecimento das penas
e destinar parte do orçamento da segurança pública para os estados, em vez da
Polícia Federal.
Diante desse desfecho, a alternativa do governo é mitigar o
projeto no Senado, cujo presidente, senador Davi Alcolumbre (União-AP),
escolheu o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), um oposicionista moderado, para
relatar o texto.


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