Claro que é absolutamente relevante, pela primeira vez na
história brasileira, podermos ter levado a julgamento e condenado pessoas e
grupos pelo crime de tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito,
incluindo militares de alta patente
Na última semana, o país vivenciou fortes emoções. Sábado
passado, fomos despertados com a notícia da decretação pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) da prisão preventiva do ex-presidente. As primeiras versões sobre
a razão da decisão judicial apontavam que a convocação feita pelo seu filho
senador de uma vigília em frente ao condomínio onde estava em prisão domiciliar
causaria tumulto e poderia criar as condições propícias para uma fuga.
Considerando que, semanas antes, outro condenado pela tentativa de golpe tinha
fugido para os Estados Unidos, a preocupação parecia fazer sentido.
Porém, algumas horas mais tarde, verificou-se no pedido
formulado pela Polícia Federal (PF) o apontamento de um período em que a
tornozeleira eletrônica ficara inativa, podendo evidenciar um movimento para
sua retirada. Qual não foi a surpresa quando as primeiras imagens mostraram a
tentativa de danificar o equipamento com o uso de um ferro de solda, confirmada
pelo próprio preso, alegando, no primeiro momento, tê-lo feito por curiosidade
e, posteriormente, na audiência de custódia, afirmou ter tido um surto por uso
de medicamentos.
Terça-feira, na sequência desse episódio,
foi declarado pelo STF que o processo contra ele e mais seis condenados pela
tentativa de golpe havia transitado em julgado, sendo determinado o cumprimento
imediato das respectivas penas de todos.
Desde então, o que assistimos foi a disputa feroz nas redes
sociais entre os dois polos que, desde 2018, monopolizam as publicações. De um
lado, os apoiadores do ex-presidente clamando por anistia e insistindo na
narrativa que há um clima de perseguição contra ele, mesmo diante das robustas
provas que embasaram sua condenação; de outro, os apoiadores do governo
comemorando a prisão, em um clima catártico.
Claro que é absolutamente relevante, pela primeira vez na
história brasileira, podermos ter levado a julgamento e condenado pessoas e
grupos pelo crime de tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito,
incluindo militares de alta patente. Posto isso, vale a pena uma reflexão sobre
as interpretações que passaram a circular nas redes e na mídia em geral.
Uma bastante presente tem reverberado a ideia de que
estaríamos, finalmente, punindo os golpistas de 1964, trazendo uma visão
implícita e, por vezes explícita, de que a Lei da Anistia, promulgada em 28 de
agosto de 1979, teria sido um equívoco e, no limite, uma capitulação diante da
ditadura. Graças a ela, exilados e banidos voltaram para o Brasil, clandestinos
deixaram de se esconder da polícia, réus tiveram os processos nos tribunais
militares anulados, presos foram libertados de presídios e delegacias. Ora, ao
examinarmos o cenário político à época, é mandatório afirmar que ali foi
possível pavimentar o caminho de reconstrução democrática que culminou com a
eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral em janeiro de 1985.
No polo oposto, há aqueles que têm usado a anistia de 46
anos atrás para defender a aplicação de medida similar aos golpistas
recentemente condenados. Na base da argumentação, criam a figura imaginária de
que o país está sob uma "ditadura do Judiciário". É indiscutível que
muitas críticas podem e devem ser feitas ao STF, mas é forçoso reconhecer que
sua atuação foi fundamental para a preservação da democracia política.
Entretanto, mais importante do que apontar as
características dos dois lados é procurar identificar o caldo de cultura a
fomentar tais comportamentos. Refiro-me ao ressentimento, um sentimento
deletério que, temperado pelo ódio, substitui a capacidade de diálogo
respeitoso entre diferentes pela ideia de eliminar adversários. Prefere-se
justiçamento no lugar de justiça, vingança em vez de reparação. No terreno da
política, ele se manifesta no ideário antissistema, contra tudo que está aí, na
perspectiva de destruir todas as instituições porque, afinal, nenhuma delas
presta.
Paradoxalmente, pesquisas de diversos institutos apontem a
existência de um percentual significativo de pessoas cansadas desse clima, mas
mesmos elas não são imunes à contaminação por esse sentimento que acaba se
revelando, de forma quase automática e inconsciente, na hora da tomada de
algumas decisões. Infelizmente, esse pano de fundo continuará presente entre
nós ainda por um bom tempo, sendo alimentado também por um cotidiano marcado
pelo aumento da criminalidade e da violência, gerador da crescente sensação de
insegurança e medo.
Tudo indica que tal cenário estará presente, de maneira
relevante, no processo eleitoral de 2026. A conferir.


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