Maria Luiza: os 40 anos da mais surpreendente eleição da
história de Fortaleza
Em 15 de novembro de 1985, Fortaleza elegeu a primeira
mulher a administrar uma capital no Brasil. Foi ainda a primeira capital
administrada pelo PT, entre homens e mulheres. O POVO relembra como foi aquela
eleição
"Maria é um dom, uma certa magia, uma força que nos
alerta", embalada por essa música de Milton Nascimento, Fortaleza elegeu
em 15 de novembro de 1985 a primeira prefeita mulher.
Não bastasse o pioneirismo local, há 40 anos, Maria Luiza Fontenele também fazia o Brasil ter a primeira
mulher prefeita de capital, ao lado de Gardênia Gonçalves, que foi vitoriosa em
São Luís, no Maranhão, naquele ano. Foi ainda a primeira capital administrada
pelo PT, entre homens e mulheres.
As páginas do O POVO documentam que a vitória da
então deputada estadual, líder do PT na
Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), "fez com que a população de
Fortaleza antecipasse o carnaval e fosse às ruas para festejar".
Maria obteve 159.846 votos, conquistando maioria em todas as
seis zonas eleitorais daquela época na capital cearense. Ela acumulou 11.409 a
mais que o favorito nas pesquisas, Paes de Andrade (então PMDB), que ficou em
segundo lugar ao somar 148.437 eleitores.
"A democracia deve se curvar sempre diante do
pronunciamento popular nas urnas. Respeitá-lo. E é o que faço neste
momento", escreveu Paes em nota à imprensa após consagrado o
resultado.
Os votos eram em cédulas de papel, por isso a consagração do
resultado deu-se em 17 de novembro de 1985. Antes mesmo do anúncio oficial pelo
Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), petistas comemoravam nas
imediações do ginásio Paulo Sarasate, onde ocorria a apuração das últimas
urnas.
A festa começou logo que a noite tomava forma, com uma
passeata que percorreu ruas da Capital. Uma parada na sede do O POVO foi
palco para o cumprimento do terceiro colocado, Lúcio Alcântara, que concorreu
pelo antigo PFL, à prefeita eleita. Ele obteve 121.326 votos.
"O cortejo passou pela Praça José de Alencar e
dirigiu-se à Praia de Iracema que se transformou num extenso salão de uma
festa, que varou a madrugada", registra o jornal na ocasião.
Sobre um caminhão, a primeira prefeita de
Fortaleza acenava para as pessoas que acompanhavam a passeata também em
carros e ônibus. Bandeiras, fogos, cartazes e até um dragão chinês compunham a
alegoria, enquanto a multidão entoava: "Este ano já deu, Maria na
cabeça".
Ao então governador Gonzaga Mota (PM), Maria falou por meio
de conexão feita pela rádio AM do O POVO: "Quem dá o tom agora na
Prefeitura é o povo e o senhor tem que entrar no ritmo, senão, dança".
"Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
é preciso ter gana sempre"
O caminho até aquela vitória não foi simples. Maria Luiza
aparecia em terceiro lugar nas pesquisas
eleitorais de 1985. Na última permitida pela Justiça Eleitoral, divulgada
15 dias antes do pleito, Paes de Andrade tinha maioria das intenções de voto,
com 46,6%. Em seguida estava Lúcio Alcântara, com 18,1%. Enquanto isso, Maria
figurava com 10,6%.
Encomendada pelo O POVO, a pesquisa foi feita pela
Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura da Universidade Federal do Ceará (UFC). Até que os eleitores se
dirigissem às urnas, contudo, o cenário começou a mudar.
Com greves de diversas categorias, Fortaleza viu motoristas
de ônibus iniciarem uma paralisação. À época, denúncias de abuso e a morte de
um manifestante foram atribuídas à violência policial. Maria se envolveu no
movimento e levou a mobilização para a campanha.
No dia após a eleição, O POVO já previa: “Maria Luiza
empolga Fortaleza”, estampava a manchete de 16 de novembro de 1985. “A
possibilidade de vitória da candidata petista passou a ser admitida, embora
Paes de Andrade, do PMDB, continue sendo o favorito”, completava.
O nome dela foi escolhido para encabeçar a chapa pura do PT
em maio, durante a pré-convenção partidária. Tendo na vice o advogado Gilvan
Rocha, Maria derrotou o correligionário José Vital, que era
secretário-geral do partido, e tinha José Eudes na vice.
Sete integrantes de um grupo classificado como independente
viam o resultado como um "conchavo". Eles criticavam a maneira como
fora conduzida a eleição interna e chegaram a emitir um manifesto.
Em junho, o então presidente nacional do PT, Luiz Inácio Lula
da Silva, veio a Fortaleza para lançar o programa da chapa, em evento no
Theatro José de Alencar. No mesmo local, já no mês seguinte, convenção
partidária confirmou Maria como candidata.
O candidato a vice Gilvan, por sua vez, retirou a
candidatura a vice, substituído pelo professor Américo Barreira. A partir
daí, era preciso ter manha, graça e sonho, sempre. "Quem traz na pele essa
marca, possui a estranha mania de ter fé na vida", resumia a
canção marca da campanha, Maria, Maria.
Após a surpresa da campanha, seguiu-se uma administração
atribulada. Foi responsável pelo enxugamento da máquina e buscou aproximar a
administração das demandas populares, dos movimentos sociais e sindicatos.
Mas foi marcada pelos conflitos. Com dois governadores —
Gonzaga Mota e Tasso Jereissati —, com o então presidente José Sarney e até
com o próprio partido. Ela terminou a administração expulsa do PT.
"Uma mulher que merece viver e amar"
Maria Luiza construiu a trajetória política nas lutas
estudantis e sociais, tendo integrado a Juventude Estudantil Católica e o
Centro Liceal dos Estudantes Cearenses.
Formada em Serviço Social pela Universidade Federal do Ceará
(UFC), foi professora de Ciências Sociais da Universidade, é mestre em
Sociologia do Desenvolvimento e foi chefe do Departamento de Ação
Comunitária da Fundação de Serviço Social de Fortaleza.
Ainda na militância, Maria integrou o Movimento Feminino
pela Anistia e a União das Mulheres Cearenses. Antes de ingressar no PT, foi
deputada pelo MDB,
depois PMDB, presidindo comissões como Educação e Meio Ambiente. Depois de
prefeita, foi deputada federal pelo PSB.
Nasceu em Quixadá, em 27 de novembro de 1942. É filha de
Diva Maria Fontenele e Antônio Fontenele e mãe de Andréa Fontenele.


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