Políticas estritamente repressivas apenas aumentam a
demanda por mais violência
É preciso integrar as políticas de segurança às demais
políticas públicas
A Câmara dos Deputados ofereceu nesta semana mais um
espetáculo de irresponsabilidade política e desprezo pelo destino de milhões de
brasileiros submetidos cotidianamente à tirania do crime organizado.
O despreparo do deputado indicado para a tarefa de relatar a
proposta do chamado Marco Legal do Combate ao Crime Organizado ficou patente
pelas sucessivas e contraditórias versões dos relatórios apresentadas ao longo
da semana. Até restringir a competência da Polícia Federal para investigar o
crime organizado aventou-se, sabe-se lá com que objetivo.
Um dos paradoxos das políticas de segurança, como destacado
por Theo Dias e Carolina Ricardo em recente
artigo nesta Folha, é que a ineficácia de políticas
estritamente repressivas apenas aumenta a demanda por mais repressão, criando
um enorme mercado para o populismo penal.
A experiência do Rio de
Janeiro é uma expressão desse ciclo vicioso, que precisa ser
rapidamente interrompido. A repressão, quando praticada à margem da lei, apenas
agrava o problema. Quando devidamente conduzida, em conformidade com os
princípios do Estado de Direito e associada a outras políticas públicas, é
parte essencial do enfrentamento de organizações criminosas.
Nas últimas décadas, diversas experiências na Itália e na
Colômbia, bem como nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo,
Pernambuco e Minas Gerais e em cidades como Nova York, nos oferecem um
importante repertório de políticas exitosas de combate ao crime organizado e
controle da criminalidade violenta.
Em vez de respostas legislativas meramente simbólicas ou
espetáculos sangrentos e ineficazes, precisamos capacitar e fortalecer as
instituições de aplicação das leis, coordenar melhor suas ações e integrar as
políticas de segurança às demais políticas públicas que dificultem ao crime se
espraiar pelo tecido social e se alojar no poder político e no sistema
econômico.
Três são os pilares dessas políticas exitosas que deveriam
estar ocupando os esforços daqueles efetivamente preocupados em enfrentar o
crime e não apenas em se beneficiar eleitoralmente do medo por ele criado.
Recuperação dos territórios dominados pelo crime organizado,
que devem ser imediatamente ocupados pelo Estado. Os criminosos precisam ser
presos. Como as experiências de Bogotá e Medellín indicam, a reurbanização e
revitalização das áreas dominadas pelo crime são indispensáveis para devolver
dignidade e expectativa de desenvolvimento para as comunidades. O Estado
precisa se fazer presente para prover ordem, justiça e bem-estar.
Profissionalização e qualificação do sistema de Justiça e
das diversas agências de aplicação da lei, com ênfase para mecanismos de
inteligência. Não apenas inteligência policial, mas também financeira. É o que
foi feito na Itália por meio da criação de uma Agência Nacional Anticrime. É
necessário seguir o dinheiro no espaço digital. O Brasil precisa rever sua
obtusa regra de sigilo bancário, que apenas favorece a infiltração do crime no
sistema financeiro e em outros setores da economia formal. Combater a corrupção
é uma pré-condição para combater o crime organizado.
Por fim, é necessário integrar e coordenar todas essas
atividades. Esse é um trabalho politicamente desafiador e administrativamente
complexo, especialmente num país com estrutura federativa e imerso em forte
polarização política. Talvez Geraldo
Alckmin seja a pessoa talhada para a tarefa. Político com perfil mais
conservador, num governo progressista, protagonizou, ao lado de Mário Covas, a
mais bem-sucedida redução de homicídios na história no Brasil.


Nenhum comentário:
Postar um comentário