Bolsonaro inverte o jogo e mostra que a unidade da
direita deveria interessar mais a quem ainda não perdeu sua liberdade
O Centrão pretendia relegar o bolsonarismo a uma máquina
recauchutada de votos posta para trabalhar em troca de uma promessa futura de
indulto. A candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) mostra que o
ex-presidente quer conjugar o verbo no presente e trocar um indulto por
anistia. Vale-se, para isso, do ambiente conturbado no Congresso com a queda de
braço com o Supremo Tribunal Federal. A blindagem que, em diferentes gradações,
tanto parlamentares quanto togados temem perder já não é mais uma amarra para
Jair Bolsonaro. Por isso, paradoxalmente, é quem tem mais liberdade no
tabuleiro.
É isso que se depreende dos primeiros
movimentos do primogênito, com o anúncio de sua pré-candidatura na sexta e sua
primeira entrevista neste domingo. A gaiatice com que fala do “preço” para
negociar sua candidatura, propondo lances aos jornalistas presentes, é a
demonstração de quem sabe das dificuldades postas na mesa. O Centrão e seu
candidato, o governador Tarcísio de Freitas, têm pressa, mas a escala de tempo
de quem tem uma pena de 27 anos a cumprir, e pelo menos sete em regime fechado,
é outra.
A carteira da OAB, que lhe franqueia visitas mais frequentes
ao pai, dá ao senador a prerrogativa de ser seu interlocutor preferencial. Foi
assim que o primogênito do ex-presidente tornou-se a fonte, inclusive do
presidente do PL, Valdemar Costa Neto, administrador de empresas de formação,
de que é o escolhido do ex-presidente para disputar a Presidência da República
em seu lugar. E é também nesta condição que se apresentará aos presidentes de
partido com quem se reúne nesta segunda - Costa Neto, o senador Ciro Nogueira
(PP-CE), Antonio Rueda (União) e o deputado federal Marcos Pereira
(Republicanos), além do líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (RN).
O mau-humor do Ibovespa na sexta respondeu à indisposição de
Bolsonaro em aderir à candidatura de Tarcísio, mas os desdobramentos só
confirmaram que Bolsonaro está para jogo. E que Flávio é o canal desta
negociação. Se não for oferecido aquilo que o bolsonarismo quer, da anistia do
pai ao espaço nos palanques regionais, a família vai de candidatura própria.
Que pode ser Flávio - “um Bolsonaro diferente, mais centrado e que conhece
Brasília”, como se definiu neste domingo - ou não.
O que falta em Flávio Bolsonaro de viabilidade eleitoral lhe
sobra de capacidade de negociação. É quase o inverso de Michelle, que tem
viabilidade e capacidade de negociação, mas quer fazer seu próprio grupo
político dentro do PL, impermeável aos enteados.
Antes de se anunciar como o escolhido do pai, Flávio foi
obrigado a se desculpar junto à ex-primeira-dama e a recuar da costura do PL no
Ceará, onde o presidente local do partido, o deputado federal André Fernandes,
pretendia firmar uma aliança para apoiar a candidatura do ex-ministro Ciro
Gomes ao governo do Estado, contrariando o apoio anunciado por Michelle ao
senador Eduardo Girão (Novo-CE).
Michelle resgata a antipolítica cavalgada pelo marido em sua
ascensão à Presidência em 2018 ao se insurgir contra uma aliança, no Ceará, com
aquele que, até outro dia, chamava Bolsonaro de “picareta do baixo clero”. É
muito mais temida pelo entorno de Tarcísio do que Flávio, como o Datafolha de
domingo o confirmou.
O telhado de vidro do senador, exibido à exaustão pelo
próprio Ciro Gomes, das rachadinhas à casa de R$ 6 milhões em Brasília com
juros subsidiados do BRB, pode ganhar um adendo. Sua mobilização em frente à
casa do pai, disfarçada de vigília, no dia em que Bolsonaro violava a
tornozeleira eletrônica, presumivelmente para fugir, pode vir a colocá-lo como
alvo do STF por obstrução de justiça.
Abertura à negociação não tem faltado a Tarcísio, que tem
prestigiado até mesmo aliados que abrigaram tentativas de proteger as finanças
do crime organizado - do deputado federal e relator do PL Antifacção, Guilherme
Derrite (PP-SP), ao governador do Rio, Claudio de Castro, litigante em defesa
da Refit. A dúvida é se, além de sobreviver à prisão de Jair Bolsonaro, esta
aliança entre a direita e a extrema-direita o fará também em relação à ofensiva
redobrada do Estado policial lulista. A reação negativa de potenciais dos
alvos, com quem Flávio Bolsonaro se reunirá, à divisão deste campo demonstra
que a expectativa de poder e de blindagem andam juntas.


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