Recebo notícias preocupantes do Acre, onde a enchente dos
rios já obriga muitas famílias a buscar abrigos públicos. Mais grave está em
Rondônia: o rio Madeira espalha-se nas cidades e áreas rurais, cobrindo até um
trecho da estrada federal e impedindo o transporte de pessoas e mercadorias.
No Sudeste, em São Paulo, o problema é mais complexo: se
chove, a enchente traz destruição e ameaça vidas; se não chove, pode faltar
água e eletricidade, com os reservatórios das usinas muito baixos.
Mas o mais preocupante é o despreparo de nosso país em lidar
com situações que se repetem todos os anos –ainda mais com o agravamento dos
eventos climáticos extremos, anunciados há bastante tempo. Uma enchente súbita
pode ser um fenômeno natural, mas os prejuízos repetidos denunciam o descaso e
a falta de planejamento.
O que vem depois da “criminalização” da natureza? A
judicialização é impossível, pois não há como processar a chuva nem a seca. E a
acusação de ser contra o progresso, de pessimismo ou até de ecoterrorismo pesa
sobre todos os que tentam alertar para o desastre antes que ele aconteça.
Circulam na internet fotos impressionantes de enchentes em
conjuntos habitacionais construídos há pouco tempo e ainda não ocupados. É um
absurdo o desperdício dos recursos públicos que escorrem, literalmente, por
água abaixo. Mas ai de quem ouse comparar esse descaso com o luxo do “padrão
Fifa” exigido para a Copa. O governo parece querer restringir o debate ao
desempenho da seleção ou, talvez, à escalação do time.
E, nas eleições, vamos debater qual partido tem o escândalo
mais condenável? Se descuidarmos, até o grave problema da corrupção poderá
desviar-se para a disputa política superficial, a troca de acusações, sem a
busca sincera e eficaz de superação e mudança.
Já passa da hora de acordar. A crise não está batendo à
porta, já entrou em casa. A evidência da crise ambiental conseguirá mudar a
avidez pelo lucro imediato ou pela popularidade fácil das obras apressadas?
Veremos que a crise de valores, base da desconexão com a natureza, é a mesma
que nos empurra para o abismo da corrupção? Resta a esperança de que a
indignação de amplas parcelas do povo seja a energia necessária para mudar o
rumo dos acontecimentos.
O sonho não morreu. Nesta semana vi, na favela do Vidigal,
uma comunidade mobilizada para limpar e embelezar o lugar, criar espaços de
cultura e lazer por sua própria iniciativa. Em toda parte, há projetos e
debates sobre energia, água, transporte, segurança e outros temas estratégicos.
Só falta juntar as duas pontas: a ação das pessoas e a prospecção de novos
rumos.
Para o bem de todos, espero que esse encontro aconteça logo.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na Folha de
S.Paulo.
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